segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Finalmente o gigante acordou e... espera...ops...são os torcedores do Flamengo


Já não era sem tempo. Finalmente o brasileiro acordou e foi às ruas deste país em protesto contra a retirada dos seus direitos trabalhista, da sua aposentadoria, do investimento em saúde, educação, ciência e tecnologia.

Espera um pouco...ops... É a torcida do Flamengo comemorando o título da libertadores e o campeonato brasileiro!!!


sábado, 16 de novembro de 2019

Esporte e Política

Invariavelmente a crônica esportiva teima em afirmar que esporte não é política. Ignorância ou má fé? Não sei e nem irei julgar. O fato é que nos últimos meses estamos assistindo a um fenômeno interessante, vindo dos mais diferentes clubes de futebol brasileiro. Se não observamos nenhum engajamento político específico dos atletas profissionais, como até recentemente nós víamos no interior do movimento do Bom Senso F.C., os setores de marketing dos clubes resolveram pautar questões importantes da vida nacional em um momento conjuntural de claro acirramento no campo político.

Hoje, por exemplo, o Fluminente Football Club entrou em campo contra o Clube Atlético Mineiro com uma frase estampada na sua camisa que dizia "Todos Juntos Contra o Trabalho Infantil", tema candente e que toca o centro da reprodução do capital atualmente: a presença da força de trabalho superexplorada e precarizada, que segundo dados do Instituto de Geografia e Estatística de 2016, atinge dois milhões e quatrocentos mil crianças e adolescentes entre 05 e 17 anos em todo o território nacional.
Foto: Divulgação EC Bahia

Em outubro último foi a vez do Esporte Clube Bahia entrar em campo em jogo contra o Ceará, válido pela vigésima sétima rodada do brasileirão, com a camisa estampando "manchas de óleo" em clara alusão ao acidente ambiental que atinge as praias do nordeste do Brasil e impacta a vida econômica de várias cidades e centenas de famílias de pescadores. Em seu instagram oficial (@ecbahia) o clube assim se manifestou: “Por medidas de redução do impacto ambiental e pela punição aos responsáveis, nosso uniforme estará manchado de óleo no jogo de amanhã –como as praias do Nordeste”.

No mês de abril esse mesmo clube fez campanha aludindo as demarcações das terras indígenas. Nessa campanha o clube dizia claramente que era "preciso cumprir a regra. Sem demarcação, não tem jogo". E o que dizer em relação as bandeirinhas de escanteio com as cores do arco-íris em protesto contra a LGBTQfobia em jogo realizado na Arena Fonte Nova contra o Fortaleza?


Trabalho infantil, crime ambiental, discriminação e demarcação de terras indígenas. Esses são ou não temas que estão presentes nas pautas de diferentes movimentos de representações políticas e sociais que se articulam em vários lugares no Brasil e por que não dizer, no mundo? Qual a relação deles com o esporte? O que diriam os cronistas esportivos sobre essas iniciativas?

Mas, se ainda restam dúvidas do vínculo do esporte com a política e se acontecimentos históricos como, por exemplo, as Olimpíadas de Berlim, em 1936, não convencem ninguém, será que outras manifestações, surgindo agora não mais do marketing clubista, mas, sim, do interior das torcidas organizadas como a do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e o Santos Futebol Clube, teriam força para finalmente jogar por terra essa falácia de que esporte não pode se misturar com política?

Falaremos sobre isso em outra postagem.

domingo, 15 de setembro de 2019

Sensei sensato e o antro dos canalhas



Antro, substantivo masculino, escavação natural que pode servir de abrigo a pessoas ou animais selvagens; gruta, caverna. Caverna. No sentido figurado, lugar de perdição ou vícios, abismos. Abismo. Nosso país sempre foi um poço de desvios de conduta fantasiados de humor e zombaria. Apresentadores de Tv que usam do horário nobre nos finais de semana para mostrar vídeos de pessoas se machucando ou em situações desconcertantes. Objetificação e hipersexualização do corpo feminino, entre outros.

O tempo livre do trabalhador bombardeado de absurdos. Para nossa sorte, tínhamos os shows de horrores limitados aos domínios da “janela de vidro”. A televisão. Para nosso azar, houve um tempo que o antro de canalhas faziam sucesso apenas lá. Hoje, eles ganharam vida política e pública. Ser canalha, misógino, está garantindo posição de privilégio nacional. Dá pra virar Presidente.

Ministros que atacam em palestras internacionais as esposas dos chefes de estado, a chamando de feia, corroborando com a atitude do Presidente, que vai às redes sociais e curte um meme que também afirma que a esposa de um outro presidente é feia. “Humorista” que num stand-up diz que discorda do Presidente da República, quando ele afirma que não estupraria uma deputada porque ela não merecia, tendo quase sua voz silenciada por afirmar num tom calmo um “merece”, pelo estrondoso aplauso da plateia. Ser cretino está rendendo aceitação.

O que esperar de um perfil de instagram que deu control C + control V na conjuntura? Uma página que se propõe a divulgar “humor ácido” para falar da Arte Marcial Brasileira, Jiu-jitsu? Numa breve olhada no perfil @Senseisensato, qualquer atleta ou entusiasta que já deu uma lida na história do Jiu-jitsu Brasileiro, de uma forma mais radical, percebe as contradições de seu pseudônimo. Usar a foto do patriarca Hélio Gracie com a palavra sensato embaixo não é lá uma das melhores opções. Invadir academias e achar que mulheres só servem para procriar são alguns dos atributos do senhor em questão.

Se você continua a deslizar a tela, perceberá que as mulheres aparecem hipersexualizadas, como nos programas cretinos citados no início do texto. Uma mulher vestida apenas com uma camiseta, insinuando um impedimento para o namorado não ir treinar. Um compilado de ensaios sensuais em forma de crítica, questionando quando os quimonos começaram a ser vendidos na seção de lingerie. A cultura do estupro, que submete o valor das mulheres a uma lista de condutas morais relacionadas a sexualidade e a violação dos direitos autorais estão presentes nas publicações do “Sensato”.

O absurdo não está mais lá, publicado. Foi apagado com muito esforço. Mas, para o azar do administrador, a vítima tirou um print de sua publicação criminosa. Uma atleta de Jiu-jitsu feminino teve sua foto amamentando seu bebê publicada sem autorização, sendo alterada e contextualizada sexualmente, tendo um graduado ao fundo exclamando “deixa um pouco para mim”, insinuando que o mesmo estaria interessado em ocupar o lugar da criança.

A lei dos Direitos Autorais (9.610/98) em seu artigo 7 diz que fotografia é obra intelectual protegida, e no artigo 29, é apontado que sua reprodução depende de autorização prévia e expressa do autor. A atleta ainda solicitou diversas vezes que tivesse sua foto retirada da página, como também solicitou o apoio de amigos e de páginas de Jiu-jitsu feminino para que fizeram denúncias ao instagram por conteúdo indevido. Recebendo um feedback de não violação das diretrizes da comunidade. Uma falha que deve ser revista urgentemente pela empresa. Para quê servem as denuncias? 

A vítima pode comunicar o fato na justiça como crime virtual, pois tal publicação ofendeu a sua reputação (Art. 139 do Código Penal), que de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, é um dos crimes mais comuns nas redes. Ela precisa coletar as evidências, registrar as informações em cartório e se dirigir à uma delegacia mais próxima. O que é de extrema urgência. O administrador da página precisa compreender que o ambiente virtual não é uma "terra de ninguém". Algumas Leis se aplicam na web. 

A violência contra as mulheres nos tatames estão ganhando rostos e nomes através de iniciativas de algumas páginas como a Bjjgirlsmag e UOL, mas ainda recebe o silêncio e a impunidade aos agressores, das instituições reguladoras do esporte. Apenas a Sport Jiu-jitsu South America Federation (SJJSAF) se posicionou contra os abusos disponibilizando uma ouvidoria para escutar e acolher mulheres vítimas de violência causada por atletas, professores e praticantes (A ouvidoria funciona 24h por dia pelo whatsapp ou ligação e o número é: (21) 97102-5414).

Necessitamos de punições rígidas e emergenciais contra os agressores no Esporte, como proibições de participação em eventos, punições a equipes que tenha membros envolvidos em casos de violência contra a mulher e criação de regras específicas que condenem agressores em eventos esportivos.

Precisamos também da punição desses agressores na esfera civil. Não podemos mais tolerar comportamentos como o da página @senseisensato ou de figuras públicas que ocupam funções importantes na política Nacional. Obviamente o ataque às mulheres faz parte da política de governo atual. Sempre foi sua agenda. Mas devemos nos mobilizar nas redes sociais e nas ruas, não deixando que isso seja banalizado. O Estado não é um antro exclusivo aos canalhas. A sociedade também não. 

Ao contrário da decisão do instagram, tais atitudes violam as diretrizes das relações sociais humanitárias. São criminosas. Devemos devolver estes crápulas ao seu lugar de direito: O esgoto da história. A sociedade brasileira não pode ficar assistindo atônita essa corja. Nem aplaudindo é claro. 

Denuncie!!  Disque 180.

Bahia contra a homofobia

Imagem retirada do site lance
O Esporte Clube Bahia entrará em campo, hoje, pela décima nona rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol jogando contra o Fortaleza no estádio da Fonte Nova às 16 horas, horário de Brasília. Independente do resultado da partida, o Bahia já entra vencedor da contenda.

O chamado "Esquadrão de Aço" irá trocar, simbolicamente, as bandeirinhas que marcam o escanteio por uma outra, com as cores características da bandeira arco-iris (ícone criado por Gilbert Baker, falecido em março de 2017), em uma campanha contra a homofobia nos estádios. Um golaço antológico do tricolor baiano, com toda a certeza.

Essa campanha aparece menos de um mês depois em que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) considerou punir os clubes com perda de pontos caso as torcidas entoem gritos homofóbicos. Qualquer ato de caráter preconceituoso por parte dos torcedores, será enquadrado como uma atitude indisciplinar com base no artigo 243-G do Código Disciplinar que reza: "Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".

Há quem diga que a atitude é muito mais em função da punição considerar a perda de três pontos (seis, caso ocorra reincidência) do time infrator do que, realmente, uma consciência profunda sobre elementos discriminatórios do cotidiano dos brasileiros. Só para termos uma ideia deste problema, entre 2011 e 2018 foram registrados 4.422 mortes. Isso equivale a 552 mortes por ano. Uma vítima de homofobia a cada 16 horas (Saiba mais clicando aqui).


Mas não é isso que afirma o Manifesto escrito pelo Clube e que diz em alto e bom som que "Não é uma questão de pontos a mais ou a menos. É um propósito de igualdade, amor e vida".

Que assim, seja. E que a Bahia, o Brasil, jogue sempre, dentro e fora dos estádios, o jogo da igualdade de fato e de direito.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Ghiraldelli comenta Wallace

O duplo medalhista olímpico da Seleção Brasileira de Voleibol (Londres, 2012 e Rio de Janeiro, 2016 - prata e ouro respectivamente), Wallace Souza, de 32 anos de idade, foi entrevistado ontem pelo Jornal Folha de São Paulo.

Na oportunidade, o jornalista Daniel E. de Castro, fez duas perguntas, entre outras, e as respostas do jogador em relação às duas questões em particular: 1) Suas opiniões sobre política ganharam repercussão em 2018, após você declarar apoio ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Você sente que passou a ser cobrado por essas posições? e 2) Você tem uma avaliação sobre a política esportiva deste governo até agora?; foi motivo de comentário do professor, filósofo, Paulo Ghiraldelli Júnior, autor de várias obras, entre elas, uma que foi muito importante para os estudantes e professores de Educação Física na década de 80 do século passado - Educação Física Progressista: a pedagogia crítica social dos conteúdos e a educação física brasileira. (Edições Loyola).


Vídeo retirado do canal do professor no YouTube

No vídeo, o professor, que no meu entendimento está corretíssimo, faz crítica contundente ao atleta que até alguns meses atrás foi eleitor confesso do então candidato e atual presidente da república (em mínúscula, mesmo), jair bolsonaro (sempre em minúscula), e que diante da conjuntura  nacional, promovida pelo seu candidato, se exime de prestar contas sobre sua posição política.

É incrível como nós temos atletas brasileiros completamente alienados. Não se posicionam politicamente - o que já se configura como um posicionamento - mas, quando fazem de maneira explícita, é sempre no plano conservador, e porque não dizer, reacionário!!!

E o posicionamento do Wallace torna-se mais emblemático ainda por conta dele ter sofrido, em 2012, em partida válida pela superliga, uma injúria racial ao ser chamado de "macaco" por uma torcedora mineira, e votar em um candidato declaradamente racista.

Se em 2018, ao declarar voto no bolsonaro, o minúsculo, Wallace perdeu a oportunidade de ficar calado; ontem, ele perdeu a oportunidade de falar.

domingo, 18 de agosto de 2019

O Amor é um Ato Revolucionário


Tua boca que é tua e minha
tua boca não se equivoca
te amo porque tua boca
sabe gritar rebeldia

Jeff Vasques

No meio do templo da paixão popular uma demonstração de carinho entre duas pessoas se tornou num ataque homofóbico entre torcedores. O flagra foi no jogo Flamengo X Vasco no sábado (17). As diversas páginas das torcidas flamenguistas, nas redes sociais, estão repudiando o fato e prestando total solidariedade ao casal.

O amor é um ato de coragem. Em tempos difíceis como estamos vivendo, onde até os intestinos são convidados a se retrair, me orgulhou muito a bravura do casal. A imagem soou aos meus olhos como uma flor no meio dos escombros. Me lembrou um cartaz que dizia: Beije sua Preta em praça pública!

Eu pensei em escrever, revoltado, o quanto nosso país é um dos que mais matam LGBTQ+ no mundo. No quanto isso ainda é encarado como simples “brincadeira”. Canalhas! Casais homoafetivos são coagidos diariamente. Sangram, sentem, sofrem. Mas, respirando um pouco, observando um pouco mais a imagem, refleti que não poderia marcar tal momento com o avesso do que o casal pregava. No outro lado, eles querem o ódio. Não poderia ser igual a eles.

Eles irão passar muito tempo ainda resmungando e perseguindo demonstrações de afeto e carinho dos casais LGBTQ+ em público. Eles não suportam a felicidade. E é por isso que mais e mais imagens assim deverão florir as arquibancadas do país. Eles não suportam o amor.

Não se trata aqui de passar pano para o episódio homofóbico. Eles nos querem doentes, revoltados a todo instante, bombardeados pelo chorume do ódio. Se não numa declaração racista, num comentário imbecil, uma piada machista, ou eliminando uma jovem vida na periferia, que sonhava em ser mais um artista nos gramados. Querem nos ver aos cacos.

Lembrei de Guimarães Rosa: Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Portanto, no momento do gol, beije seu dengo, sua “bença”, sua preta. Beije, dê-se ao direito do descanso, de respirar o amor um pouco. Precisamos estar fortes e saudáveis para escrever outra história, colocaremos eles no ralo dela. Já dizia o camarada Chê: Endurecer, sem perder a ternura!

Obrigado aos amantes pelo gole de saúde!

domingo, 31 de março de 2019

O breve suspiro da periferia





O menino ainda não tinha escolhido seu time de futebol. Ouvia atentamente os comentários dos seus amigos sobre os melhores lances da última rodada do fim de semana, buscando nas opções multicoloridas qual seria seu “manto” para defender naqueles debates, antes, durante e depois das aulas.

Na escola ou na rua, os fervorosos momentos do campeonato estadual sempre estavam em pauta nas conversas. Nomes dos artilheiros, os melhores goleiros... Claro, ele sempre dava uma breve conferida antes de sair para escola, durante o almoço, no programa de notícias que dedicava um bom tempo da sua programação ao futebol. Mesmo diante de tantos argumentos dos amigos mais próximos, que na grande maioria torciam para o time rubro-negro, o menino achava melhor pensar mais um pouco.

Escolher o time de futebol representava para ele duas possibilidades: Guerra ou paz. Aquela alcateia nunca lhe deixaria quieto numa segunda-feira pós disputa, se o resultado fosse positivo ou não para eles. Não importava se a posição do time rubro-negro fosse a lanterna da competição, os saudosos tinham sempre a mão sua lista de títulos para usar como justificativa: “Somos os melhores, e isso é indiscutível!” “Lembra do nosso tricampeonato?” O garoto ficava abismado como nada abalava a autoestima daqueles torcedores. Qualquer coisa é só falar de mil novecentos e... Sempre a mesma coisa.

Na sua família não havia consenso. Suas irmãs torciam também para o time rubro-negro, seu pai era torcedor do alvirrubro e sua mãe era indiferente a tudo isso. Ele até acreditava, as vezes, que a única que tinha razão era ela:
- Time de futebol não põe comida na mesa. Nunca colocou. Dizia sempre sua querida mãe, quando flagrava um triste torcedor largado à sarjeta, ou entregue às pequenas doses de felicidade que chegam depois de dois ou três copos de cerveja ou cachaça, assistindo as partidas. Apontava os coitados para o menino como uma professora sinalizando um exemplo do que estava falando.

Ele cogitou várias vezes viver sem defender nenhum time de futebol, mas tinha uma enorme curiosidade de saber de onde brotava tanta paixão, tanto poder que, transformava os sérios pais de família, aqueles homens de face rija, que interrompiam os babas de rua retornando para suas casas dos seus trabalhos, querendo passar ilesos sem sujar seus uniformes impecáveis, em felizes criaturas festivas e infantis, entregues a esbórnia de um domingo ensolarado de futebol na TV.

A primeira inclinação do pequeno a um estandarte foi num domingo de final de estadual. A disputa era entre os alvirrubros x tricolores. Nos seus afazeres de ajudante no bar do seu pai, ele era envolvido por toda aquela atmosfera no ambiente: Torcedores com seus rádios de pilha, ofegantes entre um gole de cerveja ou cachaça. Uma miscelânea de sons e ruídos, palavrões e algumas lágrimas. No canto do bar um triste senhor retirava o excesso de suor do rosto com um lenço. Uma fisionomia arrasada perante o resultado da partida. Faltavam alguns minutos para acabar o jogo.

Tudo estava dado. Os alvirrubros levaram a melhor. O tricolor jogava por dois empates mas perdeu a primeira partida da final e estava perdendo a segunda por 1x0. Alguns já pagavam suas contas, outros pediam manhosamente o caderninho do prego. Recolhiam seus cacos sob uma tristeza sonolenta de um final de domingo. Era hora de preparar-se para enfrentar mais uma semana de trabalho e claro, de muita zombaria entre os adversários. Mesmo os torcedores que não tinham seus times envolvidos nas finais, pegavam carona na chacota aos derrotados. Eis que algo de inusitado acontece.

Os rádios de pilha já haviam sido silenciados, mas ouviu-se de longe um grito desesperado de gol. O time do povo, o tricolor, teria empatado o jogo aos 38 minutos. Seria ao menos um resultado reconfortante para se usar como argumento de defesa contra as chacotas. Entretanto, aos 44 minutos, o locutor, num misto de grito, desespero ou sabe-se lá o que, estrondava as caixas de som dos pequenos rádios de pilha que foram rapidamente religados, quase que perdendo a voz enquanto o menino paralisado tentava compreender tudo aquilo, anunciava a virada. O tricolor era o campeão.

Os torcedores surgiram de vários lugares. Se abraçavam, choravam, sorriam. Era carnaval na inocente subjetividade do menino. Por um instante todas aquelas pessoas que já estavam prestes a iniciar todo o processo de preparação espiritual para encarar por algumas horas o coletivo lotado, passar a metade do dia num ambiente insalubre, retornar para o mesmo coletivo “lata de sardinha” no final do dia, em suas labutas diárias, se entregavam ao prazer inconsequente. Eram felizes saltitantes, molhando seus pés nas águas do esgoto ao céu aberto, observava emocionado o menino.  

E logo surgiam análises sobre o feito. “Foi resposta divina”, “Minhas preces foram ouvidas”, entre outras mitologias. E o menino somava as explicações populares com as do jornal do meio-dia, que mostrava na TV os melhores momentos da partida. Tudo era válido. Afinal de contas, o garoto tinha se envolvido numa experiência, digamos, mística, sobrenatural, que o marcou de alguma forma. Alguma coisa tinha mudado no pequeno. Ele pensava que, assim como naquela partida, nem tudo está dado como encerrado. Assim como os bravos guerreiros tricolores, sempre se pode lutar até o último minuto.   

Atrás do balcão que era do seu pai e que hoje é seu, ele já assistiu a alegria, a angústia, a agonia e a tristeza, de pessoas comuns e trabalhadoras como ele, durante várias partidas, seja do estadual ou do nacional. No meio de toda euforia ele percebeu que estes momentos nos colocam em sintonia uns com os outros. Era um gole de vida para aquelas pessoas incompreendidas e propositalmente invisíveis, que se entregavam à bebida todos os dias gritando por ajuda.  

 Era o momento em que ele observava os poucos suspiros de fragilidade, os urros de humanidade, dessa gente embrutecida e saqueada, que passa por ele às 4 da manhã, arrasados de sono e cansaço, indo para o trabalho, enquanto ele abre as portas do bar. A bandeirinha de 1993 do tricolor, empoeirada entre as prateleiras, é um dos objetos de decoração do seu bar.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Jiu-jitsu e a Barbárie





Num final de domingo, um programa de entretenimento de um famoso canal de TV aberta transmite os últimos e agonizantes minutos de uma advogada, que desmaia algumas vezes até ter seu pescoço fraturado por estrangulamento(como consta no laudocometido pelo seu marido, um “lutador” faixa roxa de Jiu-jitsu. Não suficiente toda selvageria, a vítima ainda foi jogada pela sacada do prédio onde aconteceu o crime.

Ontem, um perturbador vídeo que circula por diversas redes sociais mostra um segurança de um supermercado no Rio, aplicando um mata-leão por cima da vítima, o que dificulta ainda mais a respiração e, visivelmente, sem a menor intenção de imobilizá-lo. Ele queria mata-lo, e conseguiu. Diante da mãe da vítima e de pessoas que apenas filmavam um crime. No país que mata a cada 23 minutos um jovem negro.  

Pergunte para qualquer aluno iniciante, em qualquer academia de Jiu-jitsu:podemos apertar o estrangulamento mata-leão por mais de 10 segundos após a pessoa desmaiar? Qualquer professor minimamente sério já deve ter comentado em sua aula a respeito das consequências das técnicas da arte suave, pois, há alguns séculos atrás, tais técnicas já foram utilizadas na guerra pelos destemidos Samurais, com a intenção de matar.

Ensinar Jiu-jitsu é sobretudo, ensinar com ética. Praticar também. É desenvolver nos alunos a capacidade de superar suas fraquezas em busca do fortalecimento espiritual. É ampliar o olhar sobre o outro ser humano tão importante no processo de evolução. O adversário ou parceiro de treino, nos faz sairmos de nossas “ilhas”. Nos faz perceber e controlar o nosso ego.

Mas vivemos tempos difíceis de banalização da violência. De vidas “justificáveis” de serem exterminadas. E verificamos nos dois casos a utilização de técnicas de Jiu-jitsu para cometer os crimes. Crimes em defesa da “propriedade”. Simbolicamente as mulheres são propriedades dos maridos dentro da lógica do patriarcado, e a alegação do segurança para cometer tal atrocidade foi a defesa do patrimônio do chefe. Como podemos ver, a vida humana de nada importa.

Vamos pensar juntos como atletas empenhados no crescimento de nossa arte, como professores preocupados em garantir a apropriação mais humanizada desse objeto da cultura corporal, luta: como esse conhecimento técnico, que pode matar, chega em corações, mentes e no corpo todo de quem não deveria? Estamos vulgarizando a violência em nossas aulas?

Como estamos ensinando o Jiu-jitsu? Os professores conversam com seus alunos a respeito dos riscos? Percebem questões , como o caráter das pessoas que frequentam suas aulas? O acesso a este conhecimento via internet facilita ou prejudica no quesito violência?

Precisamos ir muito além do conhecimento técnico, atualmente. Se faz necessário conversar com alunos e colegas de treino sobre o ódio contra minorias, o desconhecimento do que são direitos e privilégios, de que nenhuma vida é “matável”, se pregamos a benevolência em nossa prática.

Que fique bem claro que estes fatos são exceções na nossa imensa comunidade praticante, que leva a sério, dia após dia, seus treinamentos e dedicação a arte. Mas não podemos simplesmente fechar os olhos diante de tais sucedidos. Uma jovem mulher e um jovem rapaz negro foram vítimas da “manutenção da ordem” pregada por algumas pessoas no Brasil. O que não é de forma alguma normal, e para deixar de ser, é necessário que se cobre das autoridades e que se problematize cada vez mais os casos.  

Deixo aqui o meu repúdio aos fatos e meu pedido de desculpas às famílias das vítimas. Nossa arte é utilizada por pessoas desumanas e com problemas de caráter, mas não são assim a grande maioria dos praticantes. Tenho certeza que vários professores e alunos estão propagando qualidades humanas positivas na prática cotidiana, lutando para mudar nossa realidade e contribuindo para a superação dessa fumaça da barbárie que paira a nossa sociedade.