Estou sentindo muitas dificuldades de desejar boas festas, bom natal, feliz ano novo ou qualquer coisa que o valha nesse ano. As coisas que tenho percebido ocorrer no nosso cotidiano não me permitem enganos e enganar os outros. Portanto, não teremos um ano feliz. Sinto dizer.
Crianças continuarão a morrer de fome. Jovens e adultos também. Muitos, além de morrerem de fome, continuarão cometendo suicídios por não terem os seus legítimos anseios satisfeitos. Além da fome, doenças facilmente curáveis continuarão matando as crianças. Não todas. As chuvas, em função do desmatamento irracional feito pelos homens, continuarão inundando e matando os homens e mulheres. A culpa voltará a ser dos ratos que se escondem nos esgotos. O menino morreu de leptospirose. É um novo nome para a irracionalidade. Calazar é o sobrenome.
A dengue continuará. Outra epidemia aparecerá, mais forte e com mais letras e números. A corrupção continuará e os corruptos também, impunes como sempre. Obama, o prêmio Nobel da Paz, continuará a enviar mais homens para ampliar o contingente no Iraque e no Afeganistão. Mas tudo em nome da paz, pois essa só se garante com guerra.
Os hospitais continuarão cheios e com leitos cada vez mais lotados. Os planos de saúde, sorridentes pelas ampliações das doenças, aumentarão as mensalidades, alertando, para evitar inconvenientes, que não cobrem todas as doenças.
O setor da educação continuará dividido entre aqueles que são educados para ocupar um mercado de trabalho cada vez mais incerto e outros que são educados para pensar como ampliar o mercado, pois o mesmo está incerto, usando cada vez menos a força de trabalho que está sendo educada para o trabalho precarizado. O setor esportivo continuará perpetuando os de sempre, que continuarão a fazer o que sempre fizeram.
Existem muito mais coisas. Inclusive, às boas. Mas preferir às ruins. Pois sei que seus ouvidos estão sendo invadidos por palavras de otimismo. Isso é bom. Mas aprendir com Chico de Oliveira que o otimista é o pessimista mal informado.
Para não finalizar a mensagem sem nenhuma esperança, desejo que tudo isso que coloquei acima não ocorra.
É o meu desejo sincero. Apenas isso.
Refletir sobre o esporte para além das configurações táticas e técnicas que lhes são próprias e tendo o mesmo como expressão singular para pensarmos fenômenos mais gerais da sociedade, eis o objetivo do blog.
domingo, 27 de dezembro de 2009
Que tudo não se realize
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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Tá todo mundo doido!!!
Barack Obama, logo após ter sido agraciado com o Nobel da Paz enviou 14 mil homens para a guerra fabricada pelo seu próprio país contra o Iraque. Herança do Bush júnior, de quem 44% dos cidadãos estadunidenses já sentem saudades.
Tudo é possível nesse mundo maluco e para completar a doideira, o mesmo Obama, dez dias antes de receber o prêmio aludido acima, não satisfeito com o contingente de soldados no Iraque, que durante a sua campanha o próprio prometeu reduzir, mandou mais 30 mil homens, tudo justificado pela chamada "guerra justa". Para os fabricadores de consenso, nesse caso em especial, guerra é paz.
E o que dizer da classificação da seleção francesa para a Copa da África do Sul? Uma beleza. Aliás, muito coerente com o mar de lama que atola os times europeus, afundados que estão nas mais de 200 partidas fraudadas pela márfia do futebol, coisa que nós brasileiros conhecemos muito bem - e com certeza não lembramos - pois já tivemos (ou será que ainda temos?) a nossa surcusal, intitulada márfia do apito. Mas que fique claro que isso tudo não me surpreende, pois assim como o meu quase sempre inspirador Mino Carta, editorialista da revista Carta Capital, acredito que "o futebol é negócio sujo, dominado pela ganância e marcado pela lavagem de dinheiro".
Aliás, dinheiro mesmo foi o que Raymond Domenech ganhou com a "honrosa" classificação da França, uma bagatela de 826 mil euros (dois milhões e meio de reais, aproximadamente). Dinheiro com sabor de roubo. Os senhores dos anéis, das cuecas, das meias e panetones sabem bem o que é isso e já que estamos falando de dinheiro, nada melhor do que ouvir a economista Christine Lagarde, francesa, sobre o acontecimento: "Honra-se a camiseta da seleção com muito suor, embora haja quem cuide de comprá-la". Retórica? Talvez. Mas que soa bem aos meus ouvidos, isso soa. Ainda mais vindo de alguém que não é ativista, marxista, maluca, estressada, pedagogenta, utópica ou qualquer outro adjetivo a enriquecer os jargões dos fabricadores de consenso.
Voltemos ao meu inspirador Mino Carta:"A fraude do gol francês é algo mais que metáfora das mazelas do futebol, exprime, em geral, a desfaçatez e a prepotência de quem puxa os cordéis em todos os quadrantes. E a irresponsabilidade. Eis aí, a desfilar diante de nossos olhos, a encenação de Copenhague, onde se verifica que a bem dos países ricos, é melhor salvar os bancos do que floresta".
É melhor fazer a guerra, pois só assim teremos paz. É melhor ganhar, mesmo roubando, pois ganhar é o que interessa, o como é só detalhe. Entre floresta e capital...capital, é claro!
Continuemos com a doideira e reproduzamos os sempre bem vindos desejos de feliz natal, boas festas, um ótimo ano novo, pois fim de ano é isso, tudo aparentemente se renova, para logo depois, no primeiro dia do velho novo ano, os problemas retornarem com força total. Mas aí, estamos salvos de novo, pois depois do ano novo, vem logo o carnaval.
Completemos a loucura. Em nome da coerência não perdida, façamos uma corrente para a frente, torcendo para que a França seja a campeã do mundo no futebol em 2010.
Tudo é possível nesse mundo maluco e para completar a doideira, o mesmo Obama, dez dias antes de receber o prêmio aludido acima, não satisfeito com o contingente de soldados no Iraque, que durante a sua campanha o próprio prometeu reduzir, mandou mais 30 mil homens, tudo justificado pela chamada "guerra justa". Para os fabricadores de consenso, nesse caso em especial, guerra é paz.
E o que dizer da classificação da seleção francesa para a Copa da África do Sul? Uma beleza. Aliás, muito coerente com o mar de lama que atola os times europeus, afundados que estão nas mais de 200 partidas fraudadas pela márfia do futebol, coisa que nós brasileiros conhecemos muito bem - e com certeza não lembramos - pois já tivemos (ou será que ainda temos?) a nossa surcusal, intitulada márfia do apito. Mas que fique claro que isso tudo não me surpreende, pois assim como o meu quase sempre inspirador Mino Carta, editorialista da revista Carta Capital, acredito que "o futebol é negócio sujo, dominado pela ganância e marcado pela lavagem de dinheiro".
Aliás, dinheiro mesmo foi o que Raymond Domenech ganhou com a "honrosa" classificação da França, uma bagatela de 826 mil euros (dois milhões e meio de reais, aproximadamente). Dinheiro com sabor de roubo. Os senhores dos anéis, das cuecas, das meias e panetones sabem bem o que é isso e já que estamos falando de dinheiro, nada melhor do que ouvir a economista Christine Lagarde, francesa, sobre o acontecimento: "Honra-se a camiseta da seleção com muito suor, embora haja quem cuide de comprá-la". Retórica? Talvez. Mas que soa bem aos meus ouvidos, isso soa. Ainda mais vindo de alguém que não é ativista, marxista, maluca, estressada, pedagogenta, utópica ou qualquer outro adjetivo a enriquecer os jargões dos fabricadores de consenso.
Voltemos ao meu inspirador Mino Carta:"A fraude do gol francês é algo mais que metáfora das mazelas do futebol, exprime, em geral, a desfaçatez e a prepotência de quem puxa os cordéis em todos os quadrantes. E a irresponsabilidade. Eis aí, a desfilar diante de nossos olhos, a encenação de Copenhague, onde se verifica que a bem dos países ricos, é melhor salvar os bancos do que floresta".
É melhor fazer a guerra, pois só assim teremos paz. É melhor ganhar, mesmo roubando, pois ganhar é o que interessa, o como é só detalhe. Entre floresta e capital...capital, é claro!
Continuemos com a doideira e reproduzamos os sempre bem vindos desejos de feliz natal, boas festas, um ótimo ano novo, pois fim de ano é isso, tudo aparentemente se renova, para logo depois, no primeiro dia do velho novo ano, os problemas retornarem com força total. Mas aí, estamos salvos de novo, pois depois do ano novo, vem logo o carnaval.
Completemos a loucura. Em nome da coerência não perdida, façamos uma corrente para a frente, torcendo para que a França seja a campeã do mundo no futebol em 2010.
domingo, 13 de dezembro de 2009
Ainda sobre Políticas Públicas
O Blog Esporte em Rede dará continuidade ao debate sobre Políticas Públicas de Esporte. Para tanto, trouxe mais uma entrevista. Esta, com o professor Elson Moura, que participou ativamente da audiência pública na Câmara de Vereadores de Feira de Santana como representante do curso de graduação em Educação Física da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Esporte em Rede:Fale de sua trajetória pessoal e acadêmica.
Elson Moura:Tenho 28 anos. Entrei no curso de Educação Física da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) em 2001 por conta de na época ser atleta de Karate. Minha vontade era dar continuidade na minha vida de atleta e fazer a transição para treinador. Por volta do 7° semestre me deparei com a leitura de Luiz Carlos de Freitas que me alertou para a necessidade de colocar minha energia para outros fins. Em paralelo, estagiando no SESI (Serviço Social da Indústria), me deparei com o livro de Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia) e este sentimento de transformação só aumentou. Terminei o curso em 2006 e ingressei na especialização em Metodologia em Educação Física e Esporte da UNEB (Universidade do Estado da Bahia). Ao fim da pós participei da seleção na UEFS para professor substituto e fui aprovado. Em 2009 fiz o concurso na mesma instituição e fui aprovado. Hoje sou professor da UEFS, professor da Rede Municipal de Camaçari, trabalhando na Educação de Jovens e Adultos. Também participo do Grupo LEPEL (Linha de Estudo em Educação, Educação Física, Esporte e Lazer) da UEFS bem como do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do professor de Educação Física (MNCR) de Feira de Santana. Esta curta trajetória foi, no entanto, suficiente para que eu esteja esclarecido da necessidade de defender a Educação Física na perspectiva da Cultura Corporal, a educação numa perspectiva Historico-critica; bem como de colocar minhas energias (minha ação pedagógica e minha militância) à serviço de um projeto de sociedade Socialista – Comunista.
Esporte em Rede:Como se deu sua inserção na discussão sobre políticas públicas de esporte?
Elson Moura:Inicialmente meu interesse foi no fenômeno/produção humana esporte. Por conta do interesse neste conteúdo, aprofundei os estudos sobre o esporte e a contemporaneidade. Foi assim que o tema políticas publicas me interessou, embora assuma que o esporte continua sendo o meu objeto de grande interesse. Mas, na busca de entender este fenômeno na contemporaneidade precisei adentrar no estudo e entendimento sobre políticas públicas de esporte. Cheguei à conclusão que para entende esta relação, era preciso também entender a sua relação com o Estado.
Esporte em Rede:Na sua opinião existe uma política pública de esporte em feira de santana e região?
Elson Moura:Ao tentar responder esta pergunta me deparo com a seguinte situação: estar dividido entre a afirmação do Professor Edmundo Dias, da UNICAMP, que nos ensina que as políticas públicas formuladas e aplicadas na sociedade vigente são definidas como políticas governantes de construção da hegemonia burguesa na classe trabalhadora, que são diferentes de políticas públicas, pois estas limitam o avanço do capital e o que de fato é feito na cidade de Feira de Santana, cujo nome é o de políticas públicas de esporte. Sendo assim, a partir da ressalva feita por Edmundo Dias, penso que existe uma política de esportes que, de forma hegemônica, privilegia a dimensão do esporte de competição (no meu entender, diferente do rendimento) enquanto prática assistencialista que usa o esporte enquanto propaganda ideológica de que existe uma política, uma preocupação com o público. Mesmo esta política, para os fins que se propõe, é insuficiente. Por conta disso existe uma insatisfação da população Feirense. É preciso fazer a ressalva que esta é uma opinião de quem vive em Feira desde 2001 (entre idas e vindas de Salvador). Portanto uma opinião não muito fiel se comparada com um legítimo cidadão Feirense.
Esporte em Rede:Como você considera o papel de uma câmara de vereadores nesse debate sobre políticas públicas?
Elson Moura:Estivemos presente, no último dia 04 de Dezembro, em uma Audiência Pública promovida pela câmara de Vereadores através do chamamento do vereador Frei Cal, cuja proposta era a discussão sobre políticas públicas de esporte. Pensamos ser este o papel do espaço de representação do povo. Obviamente que temos o entendimento que seu papel não para por aí. É preciso que tal ação se estenda no desdobramento de outras. Se de fato lá existem pessoas que pensam o esporte enquanto direito de todos e todas é preciso que existam ações que garantam o atendimento deste direito, bem como a “fiscalização” das mesmas. Por exemplo, tivemos conhecimento de que existe uma Lei Municipal que dispõe sobre o sistema de esporte e lazer no âmbito da cidade de Feira de Santana. Lei esta do Vereador Marialvo do PT. O próximo passo é garantir que tal Lei seja cumprida. Acima, coloquei uma fala do Edmundo Dias que pode nos remeter ao desânimo. Ou seja, sentar, cruzar os braços e esperara construção de outro projeto para garantir uma verdadeira política pública. Porém, mesmo por dentro dos marcos do Capital e todos seus limites, devemos pensar o que podemos fazer. Ao mesmo passo que pontuo o limite de algo, eu digo o que este algo pode fazer. Sendo assim, é papel da Câmara, sendo ela consciente do esporte enquanto direito, implementar políticas que avancem em relação ao assistencialismo atual ou à exclusividade do esporte de competição.
Esporte em Rede:Qual o papel da universidade nesta dinâmica?
Elson Moura:Como falei na audiência pública, reafirmo que a educação superior está longe da realidade, longe do social. O que justifica minha afirmação é o entendimento que tenho de que ações pontuais em semestres não se constituem como uma relação orgânica entre universidade e sociedade. Muitas vezes, as mesmas são usadas como laboratórios para serem analisados pelos estudantes, bem como para justificar a existência do curso/Universidade/Faculdade a partir da sua referência social, do seu engajamento. Também não podemos esquecer dos atos assistencialistas tão presentes nas ações do cotidiano. A integração Universidade/social é um imperativo existencial da própria Universidade. Tal imperativo se justifica pelo entendimento que temos de como se dá o movimento do conhecimento. Este se inicia na prática (no contexto social), movimenta-se para a teoria, voltando à pratica. Este caminho nos permite afirmar que não se pode produzir conhecimento socialmente referenciado dissociado da prática cotidiana. Tal processo se dá nos 3 pilares de sustentação do ensino superior: ensino, pesquisa e extensão. Obviamente que respeitando este movimento, as Instituições, as Universidades qualificarão profissionais aptos para intervir em sua realidade. Um último elemento deste ponto é a afirmação de que não podemos pensar a Universidades e Faculdades, bem como seus estudantes, para cobrir buracos deixados pelo poder público. Isso reforçaria a lógica neoliberal.
Esporte em Rede:Você teria alguma ideia de como pode se desenvolver uma política de esporte para o público e não apenas para o setor de redimento, que acaba atendendo a uma elite esportiva?
Elson Moura:Responderei como falei na Audiência. Apontarei 4 sugestões para pensar em Políticas Públicas, mesmo por dentro dos limites do Capitalismo. 1- Uma gestão democrática realizada do planejamento, passando pela execução e administração, até as avaliações do investimento do dinheiro público em esporte. 2-Uma ação interdisciplinar conjuntamente com a secretaria de educação, ou outras. 3-A negação da lógica salvacionista do esporte. Ou seja, a possibilidade de o esporte ser o remédio para todos nossos problemas. 4-O delineamento das prioridades sobre o uso do dinheiro público para o esporte. Em vez de mega eventos e/ou esporte de rendimento, esporte para os incluídos no grupo dos privados de Cultura Corporal. Colocar a ordem das coisas a partir da implementação, a partir do esporte de rendimento, até chegar ao esporte para todos, já se mostrou ineficiente (basta ver o Pan do Rio). Sendo assim, invertamos a ordem. Ou fazemos isso ou mendigaremos por verbas públicas que beneficiam o espaço privado.
Esporte em Rede:Fale de sua trajetória pessoal e acadêmica.
Elson Moura:Tenho 28 anos. Entrei no curso de Educação Física da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana) em 2001 por conta de na época ser atleta de Karate. Minha vontade era dar continuidade na minha vida de atleta e fazer a transição para treinador. Por volta do 7° semestre me deparei com a leitura de Luiz Carlos de Freitas que me alertou para a necessidade de colocar minha energia para outros fins. Em paralelo, estagiando no SESI (Serviço Social da Indústria), me deparei com o livro de Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia) e este sentimento de transformação só aumentou. Terminei o curso em 2006 e ingressei na especialização em Metodologia em Educação Física e Esporte da UNEB (Universidade do Estado da Bahia). Ao fim da pós participei da seleção na UEFS para professor substituto e fui aprovado. Em 2009 fiz o concurso na mesma instituição e fui aprovado. Hoje sou professor da UEFS, professor da Rede Municipal de Camaçari, trabalhando na Educação de Jovens e Adultos. Também participo do Grupo LEPEL (Linha de Estudo em Educação, Educação Física, Esporte e Lazer) da UEFS bem como do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do professor de Educação Física (MNCR) de Feira de Santana. Esta curta trajetória foi, no entanto, suficiente para que eu esteja esclarecido da necessidade de defender a Educação Física na perspectiva da Cultura Corporal, a educação numa perspectiva Historico-critica; bem como de colocar minhas energias (minha ação pedagógica e minha militância) à serviço de um projeto de sociedade Socialista – Comunista.
Esporte em Rede:Como se deu sua inserção na discussão sobre políticas públicas de esporte?
Elson Moura:Inicialmente meu interesse foi no fenômeno/produção humana esporte. Por conta do interesse neste conteúdo, aprofundei os estudos sobre o esporte e a contemporaneidade. Foi assim que o tema políticas publicas me interessou, embora assuma que o esporte continua sendo o meu objeto de grande interesse. Mas, na busca de entender este fenômeno na contemporaneidade precisei adentrar no estudo e entendimento sobre políticas públicas de esporte. Cheguei à conclusão que para entende esta relação, era preciso também entender a sua relação com o Estado.
Esporte em Rede:Na sua opinião existe uma política pública de esporte em feira de santana e região?
Elson Moura:Ao tentar responder esta pergunta me deparo com a seguinte situação: estar dividido entre a afirmação do Professor Edmundo Dias, da UNICAMP, que nos ensina que as políticas públicas formuladas e aplicadas na sociedade vigente são definidas como políticas governantes de construção da hegemonia burguesa na classe trabalhadora, que são diferentes de políticas públicas, pois estas limitam o avanço do capital e o que de fato é feito na cidade de Feira de Santana, cujo nome é o de políticas públicas de esporte. Sendo assim, a partir da ressalva feita por Edmundo Dias, penso que existe uma política de esportes que, de forma hegemônica, privilegia a dimensão do esporte de competição (no meu entender, diferente do rendimento) enquanto prática assistencialista que usa o esporte enquanto propaganda ideológica de que existe uma política, uma preocupação com o público. Mesmo esta política, para os fins que se propõe, é insuficiente. Por conta disso existe uma insatisfação da população Feirense. É preciso fazer a ressalva que esta é uma opinião de quem vive em Feira desde 2001 (entre idas e vindas de Salvador). Portanto uma opinião não muito fiel se comparada com um legítimo cidadão Feirense.
Esporte em Rede:Como você considera o papel de uma câmara de vereadores nesse debate sobre políticas públicas?
Elson Moura:Estivemos presente, no último dia 04 de Dezembro, em uma Audiência Pública promovida pela câmara de Vereadores através do chamamento do vereador Frei Cal, cuja proposta era a discussão sobre políticas públicas de esporte. Pensamos ser este o papel do espaço de representação do povo. Obviamente que temos o entendimento que seu papel não para por aí. É preciso que tal ação se estenda no desdobramento de outras. Se de fato lá existem pessoas que pensam o esporte enquanto direito de todos e todas é preciso que existam ações que garantam o atendimento deste direito, bem como a “fiscalização” das mesmas. Por exemplo, tivemos conhecimento de que existe uma Lei Municipal que dispõe sobre o sistema de esporte e lazer no âmbito da cidade de Feira de Santana. Lei esta do Vereador Marialvo do PT. O próximo passo é garantir que tal Lei seja cumprida. Acima, coloquei uma fala do Edmundo Dias que pode nos remeter ao desânimo. Ou seja, sentar, cruzar os braços e esperara construção de outro projeto para garantir uma verdadeira política pública. Porém, mesmo por dentro dos marcos do Capital e todos seus limites, devemos pensar o que podemos fazer. Ao mesmo passo que pontuo o limite de algo, eu digo o que este algo pode fazer. Sendo assim, é papel da Câmara, sendo ela consciente do esporte enquanto direito, implementar políticas que avancem em relação ao assistencialismo atual ou à exclusividade do esporte de competição.
Esporte em Rede:Qual o papel da universidade nesta dinâmica?
Elson Moura:Como falei na audiência pública, reafirmo que a educação superior está longe da realidade, longe do social. O que justifica minha afirmação é o entendimento que tenho de que ações pontuais em semestres não se constituem como uma relação orgânica entre universidade e sociedade. Muitas vezes, as mesmas são usadas como laboratórios para serem analisados pelos estudantes, bem como para justificar a existência do curso/Universidade/Faculdade a partir da sua referência social, do seu engajamento. Também não podemos esquecer dos atos assistencialistas tão presentes nas ações do cotidiano. A integração Universidade/social é um imperativo existencial da própria Universidade. Tal imperativo se justifica pelo entendimento que temos de como se dá o movimento do conhecimento. Este se inicia na prática (no contexto social), movimenta-se para a teoria, voltando à pratica. Este caminho nos permite afirmar que não se pode produzir conhecimento socialmente referenciado dissociado da prática cotidiana. Tal processo se dá nos 3 pilares de sustentação do ensino superior: ensino, pesquisa e extensão. Obviamente que respeitando este movimento, as Instituições, as Universidades qualificarão profissionais aptos para intervir em sua realidade. Um último elemento deste ponto é a afirmação de que não podemos pensar a Universidades e Faculdades, bem como seus estudantes, para cobrir buracos deixados pelo poder público. Isso reforçaria a lógica neoliberal.
Esporte em Rede:Você teria alguma ideia de como pode se desenvolver uma política de esporte para o público e não apenas para o setor de redimento, que acaba atendendo a uma elite esportiva?
Elson Moura:Responderei como falei na Audiência. Apontarei 4 sugestões para pensar em Políticas Públicas, mesmo por dentro dos limites do Capitalismo. 1- Uma gestão democrática realizada do planejamento, passando pela execução e administração, até as avaliações do investimento do dinheiro público em esporte. 2-Uma ação interdisciplinar conjuntamente com a secretaria de educação, ou outras. 3-A negação da lógica salvacionista do esporte. Ou seja, a possibilidade de o esporte ser o remédio para todos nossos problemas. 4-O delineamento das prioridades sobre o uso do dinheiro público para o esporte. Em vez de mega eventos e/ou esporte de rendimento, esporte para os incluídos no grupo dos privados de Cultura Corporal. Colocar a ordem das coisas a partir da implementação, a partir do esporte de rendimento, até chegar ao esporte para todos, já se mostrou ineficiente (basta ver o Pan do Rio). Sendo assim, invertamos a ordem. Ou fazemos isso ou mendigaremos por verbas públicas que beneficiam o espaço privado.
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domingo, 6 de dezembro de 2009
Políticas Públicas para o esporte em Feira de Santana
Na última sexta-feira, 04 de dezembro, a câmara de vereadores da cidade de Feira de Santana, segundo município mais populoso do Estado da Bahia, com 600.000 (seiscentos mil) habitantes, recebeu em sua galeria professores de educação física, dirigentes esportivos, atletas e ex-atletas de diferentes modalidades entre outros, para uma audiência pública sobre as políticas públicas de esporte na cidade. Ao menos, esse era o objetivo inicial, tal como podemos observar na chamada expressa na foto ao lado.
Considero o evento um passo importante para pensarmos as políticas públicas de esporte para a cidade de feira de santana, portal do sertão da Bahia. Parabenizo à todos os envolvidos na materialização do evento, mas não posso me furtar a sintetizar a tônica das reflexões que pelas galerias ecoaram. Evidente que esta síntese é muito particular e tem como único objetivo contribuir para o debate e em hipótese alguma desmerecer a referida audiência que espero seja ampliada para outros fóruns onde possamos aprofundar elementos tomando como referência os pontos por lá abordados.
Eis a minha síntese: embora a audiência tenha sido para discutir políticas públicas para o esporte em Feira de Santana, a referência que ganhou primazia no discurso da maioria dos que se serviram da tribuna foi a dimensão do esporte de rendimento e os representantes de setores específicos do esporte, quando se utilizaram da palavra, evocaram a necessidade de atendimento de suas demandas particulares, portanto, de cunho privado.
Essa foi a minha compreensão e repito enfaticamente: esta síntese é muito particular e tem como único objetivo contribuir para o debate e em hipótese alguma desmerecer a referida audiência que espero seja ampliada para outros fóruns onde possamos aprofundar elementos tomando como referência os pontos por lá abordados.
Também com a intenção de colaborar com o debate, esta semana trago uma entrevista com um jovem professor que na sua trajetória profissional vem se debruçando sobre os aspectos das políticas públicas do esporte e do lazer. Embora muito atarefado com outras demandas junto aos professores da rede municipal de ensino de Feira de Santana, o professor Edson do Espírito Santo nos atendeu prontamente. A entrevista é longa, mas altamente enriquecedora e nos possibilita ampliar a visão sobre políticas públicas, reconhecendo outros elementos para além da dimensão do esporte de rendimento. Vamos à ela.
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O professor Edson do Espírito Santo (foto) é Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana(UEFS); Especialista em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer, pela FACED/UFBA; Membro-pesquisador do Grupo LEPEL (Linha de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer) pela UEFS e desenvolve estudos referentes às políticas públicas de esporte e lazer, já materializados tanto na sua monografia de conclusão de curso e na pós-graduação. Atualmente é professor da Rede Municipal de Ensino de Feira de Santana e também membro do GEED (Grupo de Estudos Educação em Debate).
Blog Esporte em Rede: Do que tratou o seu estudo na graduação e na pós?
Edson:Durante a monografia de conclusão da licenciatura estudei os projetos e ações da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes da cidade de Cruz das Almas, identificando as concepções e metodologias expressas por esta Secretaria com a organização do lazer nesta cidade. Entendia a Gestão Participativa como o processo mais avançado no trato do lazer enquanto política pública e enquanto esfera de participação da classe trabalhadora na intervenção do Estado Moderno. Na monografia da especialização estudei especificamente como se organizava a proposta de Gestão Participativa, ainda tendo como recorte a cidade de Cruz das Almas, sua realidade, contradições e nexos com uma Política Nacional de Esporte.
Blog Esporte em Rede: Quais as tuas conclusões sobre as duas pesquisas?
Edson:Durante a monografia da licenciatura identificamos que apesar do esforço de deliberação pública das demandas sociais, encontramos na cidade uma sociedade civil pouco articulada politicamente para fazer uma tensão maior nas conquistas de direitos em relação à esfera governamental. Muitas vezes, no embate entre sociedade política e sociedade civil percebia que os setores organizados de governo conseguiam antecipar suas ações frente aos setores da sociedade civil. No que se referem às políticas de Lazer identificamos que a participação popular não ocorreu na definição de diretrizes e ações do Departamento de Esporte e Lazer e que, as ações deste setor se baseiam em realização de eventos nas datas comemorativas. Também esse setor sofreu duros cortes orçamentários, o que inviabilizava um trabalho mais efetivo. As realizações no setor limitaram-se a construção e requalificação de espaços públicos para a prática do lazer. Durante a pesquisa de especialização ainda identificamos que as concepções de lazer estavam limitadas à política de eventos. No entanto, sinalizou-se a criação de projetos esportivos, tendo em vista a ampliação das opções de esporte e lazer para a população da cidade. Quanto à participação popular, durante o processo de Orçamento Participativo foi realizada uma audiência pública para se discutir a situação do esporte e lazer na cidade, mas esta ficou limitada na defesa de projetos esportivos, muito mais motivados por interesses particularistas do que, necessariamente, imbuídas numa política de democratização e desenvolvimento de programas de esporte e lazer que possam elevar o padrão cultural da classe trabalhadora. Além do mais, é notória a defesa do esporte enquanto um elemento importante na formação de “bons cidadãos” e na possibilidade de “formação de atletas”, concepções do senso comum que fortalece o mito da inclusão social via esporte.
Blog Esporte em Rede: O que você vem estudando na atualidade?
Edson:Venho me debruçando sobre como vem se formando o consenso via esporte para entender o que fazem as pessoas reproduzirem o discurso da inclusão social via esporte. Tive que me reportar ao estudo das relações de hegemonia e contra-hegemonia na formação do consenso na sociedade civil e de como historicamente vem se consolidando as políticas de esporte e lazer no Brasil como necessidade de difusão de uma dada concepção ideológica. A partir dos estudos da professora Elza Peixoto sobre a produção do conhecimento em Lazer, tive como fazer apropriações – ainda como primeiras aproximações - tentando identificar Períodos Históricos de Elaboração das Políticas de Lazer no Brasil, tendo como marco histórico a década de 1930, período de ascensão do modelo industrial no país. Identificamos que em diversos períodos, as intencionalidades de conformação da luta social da classe trabalhadora pelos seus direitos (dentre eles, o lazer) vão desde a inserção de programas de recreação e lazer, passando por programas moralistas voltados a ocupação do tempo de lazer do trabalhador, até a utilização do esporte como veículo de propaganda governamental por meio da formação de atletas e sua profissionalização até a sua transformação em espetáculo. No período atual de Elaboração das políticas de Lazer, reconhecemos a sua identificação com um ideário neoliberal. Isso porque é cada vez mais crescente a utilização do esporte como importante setor de mercado, por meio da exaltação dos investimentos governamentais no esporte de alto rendimento e nas empresas que as gerenciam. No entanto, para garantir sua margem de lucro e a consolidação dos interesses dominantes é dado à população o seu antídoto: os programas de inclusão social através do esporte. Esses programas reproduzem uma lógica perversa, quando coloca para a população os programas esportivos como a solução para problemas de ordem estrutural como a violência, a fome e o tráfico de drogas. Essa construção ideológica está impregnada em nossa sociedade, dando ao esporte um poder mágico de resolução das desigualdades sociais.
Blog Esporte em Rede: Você acredita que essas ações estratégicas, gestadas por uma Política Nacional de Esporte, atingiria também a escola pública?
Edson: Sem dúvida existe um interesse em retomar um debate que nós identificamos no segundo Período de Elaboração das Políticas Públicas de Esporte e Lazer no Brasil (1965-1984) que seria o de potencializar as escolas como espaços onde se darão a formação de atletas. Dessa vez, eles utilizam de argumentos mais requintados como o da democratização do esporte, mas que na verdade seria o retorno das práticas de seletividade, exclusão, valorização da competitividade, individualismo e comparação entre alunos nas aulas de educação física. No entanto, esse elemento traz à tona um debate muito mais profundo que seria o da precariedade da escola pública. Somente para a gente ter uma ideia, em estudo apresentado no artigo “Mutirão para a Avaliação dos Jogos Escolares da Bahia” apresentado no livro “Trabalho pedagógico e Formação de Professores/Militantes Culturais”, publicado esse ano, organizado pelos professores Celi Taffarel, Cláudio Santos Júnior e Roberto Colavolpe, apresenta um dado alarmante: das 1.753 escolas da Rede Pública Estadual, apenas 782 possuem quadras esportivas, sendo que, destas, apenas 50 são cobertas. Numa pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2003 foi apontada que apenas 12% das escolas públicas municipais possuíam instalações esportivas e que no Nordeste esse número caia para 4,4%. Defendo a democratização do esporte nas aulas de educação física, mas não no viés da identificação do talento esportivo. Além do mais, os objetivos da educação física na escola devem ser de propiciar aos alunos o contato com temáticas que foram produzidos e acumulados historicamente pela humanidade, através daquilo que chamamos de cultura corporal (jogos, danças, lutas, capoeira, ginásticas, esportes). Essas temáticas devem ser entendidas como direitos sociais, que deverão ser utilizados por esses, independente de obtenção de fins de sua profissionalização. Nesse sentido, o componente curricular educação física deve trazer uma reflexão sobre a cultura corporal também como um patrimônio da humanidade. Nesse sentido, tematizar esporte nas aulas de educação física não significa preparar equipes para disputar os jogos escolares, mas, inclusive, discutir com os alunos como esse acervo cultural está inacessível a eles pela ausência de espaços adequados para a sua vivência, enquanto que 29 bilhões serão investidos em um evento de pouco mais de um mês em apenas uma cidade, que logo após a sua realização, milhões de brasileiros ficarão desprovidos de espaços públicos de lazer.
Blog Esporte em Rede: Como você, através dos seus estudos, compreende a dinâmica do esporte e lazer em Feira de Santana e região?
Edson:Feira de Santana, assim como Cruz das Almas, apresenta uma sociedade civil pouco articulada. A diferença é que em Feira de Santana para você ter acesso às informações sobre investimentos em programas e projetos governamentais, bem como a sua concepção e mecanismos de intervenção popular é difícil. Parece que existe uma caixa-preta em que as informações são de difícil acesso à população. Lembro de dois companheiros de curso que tentaram fazer uma pesquisa sobre a política municipal de esporte e lazer no município e que tiveram de desistir por inacessibilidade nas informações. Eu tinha a intenção de pesquisar as concepções e metodologias dos programas de esporte e lazer em Feira, mas logo tive que desistir, porque nunca encontrava o gestor por lá e também me informaram que o único projeto que eu encontraria no setor seria da Micareta Municipal. No que se refere à articulação da Política Nacional de Esporte com ações no município, gostaria de chamar a atenção para dois setores que se fortalecerão no ano de 2010. O Projeto Segundo Tempo e as equipes profissionais de futebol do município através da entidade denominada Fazenda do Menor. É nesta instituição que encontramos o grande pólo gerador e catalisador dos investimentos deste projeto. Por meio dela também percebemos a criação de uma equipe de futebol, mas uma vez evidenciando a relação do projeto com a formação de atletas. No que se refere aos clubes de futebol profissional na cidade, trago o destaque para o ano de 2010, uma vez que o Campeonato Baiano de Futebol terá a participação de três equipes na primeira divisão da cidade. Logo, a articulação dessas equipes e a cobrança de investimentos públicos nas mesmas será a tônica do próximo ano. Isso pode implicar na redução de investimentos na cidade, com relação a outros projetos e à necessidade de discussão sobre quais seriam as prioridades para o esporte e lazer na cidade. Aprofundando um pouco mais, vamos perceber que os dirigentes desses clubes de futebol de Feira de Santana estão ligados a setores empresariais. Enquanto isso, a reprodução do discurso que o esporte deve formar bons cidadãos vem sendo a tônica nas escolas públicas, por meio das Olimpíadas Estudantis, que todos os anos acontecem em Feira de Santana. Isso me deixa abismado, pois, das aproximadamente 215 escolas municipais, acredito que menos de 20 tenham quadra esportiva. Mais uma vez, o discurso contraditório da democratização do esporte se expressa em uma dada política municipal.
Blog Esporte em Rede: Você teria algumas sugestões para o desenvolvimento de políticas de esporte e lazer em Feira de Santana?
Edson:Algo que parece ser mais urgente é ter acesso às informações referentes a programas e ações de governo, aos seus investimentos, concepções e metodologias. Esses elementos são imprescindíveis para que tenhamos um diagnóstico inicial sobre a situação do esporte e lazer na cidade e para onde ele deve apontar suas ações. Outro aspecto importante é a defesa de uma Gestão Participativa nas políticas de esporte e lazer nos municípios que se contraponha à mera defesa de projetos particularistas. Isso implica desde o controle social dos investimentos públicos, quais os interesses envolvidos na privatização de espaços públicos, terceirização de serviços, necessidade de contratação de professores por meio de concurso público para atuarem com o esporte e lazer no município até definição de diretrizes e prioridades para o setor. Também acredito que haja uma distância muito grande entre conhecimento que se é produzido nas universidades (pensando aqui que, o curso de Licenciatura em Educação Física da UEFS já tem mais de 10 anos de existência) com as propostas de esporte e lazer que são construídas. Nesse sentido, cabe aos intelectuais orgânicos (todo aquele que tem uma função de direção na sociedade, para usar um conceito gramsciano) a tarefa de fomentar esse debate na sociedade, tendo em vista a construção de um lazer que se contraponha aos valores que são postos pela sociedade capitalista, que coloca a dimensão do lazer como mero divertimento, preparação da força-de-trabalho, ou ainda, campo propício para o lucro das empresas, a partir da mercadorização, privatização de espaços públicos e valorização do lazer-consumo. Neste sentido, cabe também aos intelectuais pensar na dimensão histórica do lazer, que deve ser colocada como “tempo livre para o gozo de uma atividade livre”, como já vem defendendo a professora Elza Peixoto nos seus estudos. Na questão específica do esporte, pensamos que a inversão de prioridades deve ser colocada como ação estratégica. Para isso, penso que o esporte ao ser colocado como direito social, remete-nos a discutir sua apropriação de forma a se contrapor à perspectiva de formação de atletas, mas como possibilidade de acesso e vivência de toda e qualquer pessoa, a partir da dimensão do lúdico e apontando elementos para que se alcance a emancipação humana, contribuindo assim para a elevação do padrão cultural de mulheres e homens. Eis a nossa tarefa que deverá nos seguir nos espaços de intervenção da educação física, da organização do trabalho pedagógico na escola pública, até os programas e projetos em esporte e lazer tanto em Feira de Santana como na região.
Considero o evento um passo importante para pensarmos as políticas públicas de esporte para a cidade de feira de santana, portal do sertão da Bahia. Parabenizo à todos os envolvidos na materialização do evento, mas não posso me furtar a sintetizar a tônica das reflexões que pelas galerias ecoaram. Evidente que esta síntese é muito particular e tem como único objetivo contribuir para o debate e em hipótese alguma desmerecer a referida audiência que espero seja ampliada para outros fóruns onde possamos aprofundar elementos tomando como referência os pontos por lá abordados.
Eis a minha síntese: embora a audiência tenha sido para discutir políticas públicas para o esporte em Feira de Santana, a referência que ganhou primazia no discurso da maioria dos que se serviram da tribuna foi a dimensão do esporte de rendimento e os representantes de setores específicos do esporte, quando se utilizaram da palavra, evocaram a necessidade de atendimento de suas demandas particulares, portanto, de cunho privado.
Essa foi a minha compreensão e repito enfaticamente: esta síntese é muito particular e tem como único objetivo contribuir para o debate e em hipótese alguma desmerecer a referida audiência que espero seja ampliada para outros fóruns onde possamos aprofundar elementos tomando como referência os pontos por lá abordados.
Também com a intenção de colaborar com o debate, esta semana trago uma entrevista com um jovem professor que na sua trajetória profissional vem se debruçando sobre os aspectos das políticas públicas do esporte e do lazer. Embora muito atarefado com outras demandas junto aos professores da rede municipal de ensino de Feira de Santana, o professor Edson do Espírito Santo nos atendeu prontamente. A entrevista é longa, mas altamente enriquecedora e nos possibilita ampliar a visão sobre políticas públicas, reconhecendo outros elementos para além da dimensão do esporte de rendimento. Vamos à ela.
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O professor Edson do Espírito Santo (foto) é Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana(UEFS); Especialista em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer, pela FACED/UFBA; Membro-pesquisador do Grupo LEPEL (Linha de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer) pela UEFS e desenvolve estudos referentes às políticas públicas de esporte e lazer, já materializados tanto na sua monografia de conclusão de curso e na pós-graduação. Atualmente é professor da Rede Municipal de Ensino de Feira de Santana e também membro do GEED (Grupo de Estudos Educação em Debate).
Blog Esporte em Rede: Do que tratou o seu estudo na graduação e na pós?
Edson:Durante a monografia de conclusão da licenciatura estudei os projetos e ações da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes da cidade de Cruz das Almas, identificando as concepções e metodologias expressas por esta Secretaria com a organização do lazer nesta cidade. Entendia a Gestão Participativa como o processo mais avançado no trato do lazer enquanto política pública e enquanto esfera de participação da classe trabalhadora na intervenção do Estado Moderno. Na monografia da especialização estudei especificamente como se organizava a proposta de Gestão Participativa, ainda tendo como recorte a cidade de Cruz das Almas, sua realidade, contradições e nexos com uma Política Nacional de Esporte.
Blog Esporte em Rede: Quais as tuas conclusões sobre as duas pesquisas?
Edson:Durante a monografia da licenciatura identificamos que apesar do esforço de deliberação pública das demandas sociais, encontramos na cidade uma sociedade civil pouco articulada politicamente para fazer uma tensão maior nas conquistas de direitos em relação à esfera governamental. Muitas vezes, no embate entre sociedade política e sociedade civil percebia que os setores organizados de governo conseguiam antecipar suas ações frente aos setores da sociedade civil. No que se referem às políticas de Lazer identificamos que a participação popular não ocorreu na definição de diretrizes e ações do Departamento de Esporte e Lazer e que, as ações deste setor se baseiam em realização de eventos nas datas comemorativas. Também esse setor sofreu duros cortes orçamentários, o que inviabilizava um trabalho mais efetivo. As realizações no setor limitaram-se a construção e requalificação de espaços públicos para a prática do lazer. Durante a pesquisa de especialização ainda identificamos que as concepções de lazer estavam limitadas à política de eventos. No entanto, sinalizou-se a criação de projetos esportivos, tendo em vista a ampliação das opções de esporte e lazer para a população da cidade. Quanto à participação popular, durante o processo de Orçamento Participativo foi realizada uma audiência pública para se discutir a situação do esporte e lazer na cidade, mas esta ficou limitada na defesa de projetos esportivos, muito mais motivados por interesses particularistas do que, necessariamente, imbuídas numa política de democratização e desenvolvimento de programas de esporte e lazer que possam elevar o padrão cultural da classe trabalhadora. Além do mais, é notória a defesa do esporte enquanto um elemento importante na formação de “bons cidadãos” e na possibilidade de “formação de atletas”, concepções do senso comum que fortalece o mito da inclusão social via esporte.
Blog Esporte em Rede: O que você vem estudando na atualidade?
Edson:Venho me debruçando sobre como vem se formando o consenso via esporte para entender o que fazem as pessoas reproduzirem o discurso da inclusão social via esporte. Tive que me reportar ao estudo das relações de hegemonia e contra-hegemonia na formação do consenso na sociedade civil e de como historicamente vem se consolidando as políticas de esporte e lazer no Brasil como necessidade de difusão de uma dada concepção ideológica. A partir dos estudos da professora Elza Peixoto sobre a produção do conhecimento em Lazer, tive como fazer apropriações – ainda como primeiras aproximações - tentando identificar Períodos Históricos de Elaboração das Políticas de Lazer no Brasil, tendo como marco histórico a década de 1930, período de ascensão do modelo industrial no país. Identificamos que em diversos períodos, as intencionalidades de conformação da luta social da classe trabalhadora pelos seus direitos (dentre eles, o lazer) vão desde a inserção de programas de recreação e lazer, passando por programas moralistas voltados a ocupação do tempo de lazer do trabalhador, até a utilização do esporte como veículo de propaganda governamental por meio da formação de atletas e sua profissionalização até a sua transformação em espetáculo. No período atual de Elaboração das políticas de Lazer, reconhecemos a sua identificação com um ideário neoliberal. Isso porque é cada vez mais crescente a utilização do esporte como importante setor de mercado, por meio da exaltação dos investimentos governamentais no esporte de alto rendimento e nas empresas que as gerenciam. No entanto, para garantir sua margem de lucro e a consolidação dos interesses dominantes é dado à população o seu antídoto: os programas de inclusão social através do esporte. Esses programas reproduzem uma lógica perversa, quando coloca para a população os programas esportivos como a solução para problemas de ordem estrutural como a violência, a fome e o tráfico de drogas. Essa construção ideológica está impregnada em nossa sociedade, dando ao esporte um poder mágico de resolução das desigualdades sociais.
Blog Esporte em Rede: Você acredita que essas ações estratégicas, gestadas por uma Política Nacional de Esporte, atingiria também a escola pública?
Edson: Sem dúvida existe um interesse em retomar um debate que nós identificamos no segundo Período de Elaboração das Políticas Públicas de Esporte e Lazer no Brasil (1965-1984) que seria o de potencializar as escolas como espaços onde se darão a formação de atletas. Dessa vez, eles utilizam de argumentos mais requintados como o da democratização do esporte, mas que na verdade seria o retorno das práticas de seletividade, exclusão, valorização da competitividade, individualismo e comparação entre alunos nas aulas de educação física. No entanto, esse elemento traz à tona um debate muito mais profundo que seria o da precariedade da escola pública. Somente para a gente ter uma ideia, em estudo apresentado no artigo “Mutirão para a Avaliação dos Jogos Escolares da Bahia” apresentado no livro “Trabalho pedagógico e Formação de Professores/Militantes Culturais”, publicado esse ano, organizado pelos professores Celi Taffarel, Cláudio Santos Júnior e Roberto Colavolpe, apresenta um dado alarmante: das 1.753 escolas da Rede Pública Estadual, apenas 782 possuem quadras esportivas, sendo que, destas, apenas 50 são cobertas. Numa pesquisa realizada pelo IBGE no ano de 2003 foi apontada que apenas 12% das escolas públicas municipais possuíam instalações esportivas e que no Nordeste esse número caia para 4,4%. Defendo a democratização do esporte nas aulas de educação física, mas não no viés da identificação do talento esportivo. Além do mais, os objetivos da educação física na escola devem ser de propiciar aos alunos o contato com temáticas que foram produzidos e acumulados historicamente pela humanidade, através daquilo que chamamos de cultura corporal (jogos, danças, lutas, capoeira, ginásticas, esportes). Essas temáticas devem ser entendidas como direitos sociais, que deverão ser utilizados por esses, independente de obtenção de fins de sua profissionalização. Nesse sentido, o componente curricular educação física deve trazer uma reflexão sobre a cultura corporal também como um patrimônio da humanidade. Nesse sentido, tematizar esporte nas aulas de educação física não significa preparar equipes para disputar os jogos escolares, mas, inclusive, discutir com os alunos como esse acervo cultural está inacessível a eles pela ausência de espaços adequados para a sua vivência, enquanto que 29 bilhões serão investidos em um evento de pouco mais de um mês em apenas uma cidade, que logo após a sua realização, milhões de brasileiros ficarão desprovidos de espaços públicos de lazer.
Blog Esporte em Rede: Como você, através dos seus estudos, compreende a dinâmica do esporte e lazer em Feira de Santana e região?
Edson:Feira de Santana, assim como Cruz das Almas, apresenta uma sociedade civil pouco articulada. A diferença é que em Feira de Santana para você ter acesso às informações sobre investimentos em programas e projetos governamentais, bem como a sua concepção e mecanismos de intervenção popular é difícil. Parece que existe uma caixa-preta em que as informações são de difícil acesso à população. Lembro de dois companheiros de curso que tentaram fazer uma pesquisa sobre a política municipal de esporte e lazer no município e que tiveram de desistir por inacessibilidade nas informações. Eu tinha a intenção de pesquisar as concepções e metodologias dos programas de esporte e lazer em Feira, mas logo tive que desistir, porque nunca encontrava o gestor por lá e também me informaram que o único projeto que eu encontraria no setor seria da Micareta Municipal. No que se refere à articulação da Política Nacional de Esporte com ações no município, gostaria de chamar a atenção para dois setores que se fortalecerão no ano de 2010. O Projeto Segundo Tempo e as equipes profissionais de futebol do município através da entidade denominada Fazenda do Menor. É nesta instituição que encontramos o grande pólo gerador e catalisador dos investimentos deste projeto. Por meio dela também percebemos a criação de uma equipe de futebol, mas uma vez evidenciando a relação do projeto com a formação de atletas. No que se refere aos clubes de futebol profissional na cidade, trago o destaque para o ano de 2010, uma vez que o Campeonato Baiano de Futebol terá a participação de três equipes na primeira divisão da cidade. Logo, a articulação dessas equipes e a cobrança de investimentos públicos nas mesmas será a tônica do próximo ano. Isso pode implicar na redução de investimentos na cidade, com relação a outros projetos e à necessidade de discussão sobre quais seriam as prioridades para o esporte e lazer na cidade. Aprofundando um pouco mais, vamos perceber que os dirigentes desses clubes de futebol de Feira de Santana estão ligados a setores empresariais. Enquanto isso, a reprodução do discurso que o esporte deve formar bons cidadãos vem sendo a tônica nas escolas públicas, por meio das Olimpíadas Estudantis, que todos os anos acontecem em Feira de Santana. Isso me deixa abismado, pois, das aproximadamente 215 escolas municipais, acredito que menos de 20 tenham quadra esportiva. Mais uma vez, o discurso contraditório da democratização do esporte se expressa em uma dada política municipal.
Blog Esporte em Rede: Você teria algumas sugestões para o desenvolvimento de políticas de esporte e lazer em Feira de Santana?
Edson:Algo que parece ser mais urgente é ter acesso às informações referentes a programas e ações de governo, aos seus investimentos, concepções e metodologias. Esses elementos são imprescindíveis para que tenhamos um diagnóstico inicial sobre a situação do esporte e lazer na cidade e para onde ele deve apontar suas ações. Outro aspecto importante é a defesa de uma Gestão Participativa nas políticas de esporte e lazer nos municípios que se contraponha à mera defesa de projetos particularistas. Isso implica desde o controle social dos investimentos públicos, quais os interesses envolvidos na privatização de espaços públicos, terceirização de serviços, necessidade de contratação de professores por meio de concurso público para atuarem com o esporte e lazer no município até definição de diretrizes e prioridades para o setor. Também acredito que haja uma distância muito grande entre conhecimento que se é produzido nas universidades (pensando aqui que, o curso de Licenciatura em Educação Física da UEFS já tem mais de 10 anos de existência) com as propostas de esporte e lazer que são construídas. Nesse sentido, cabe aos intelectuais orgânicos (todo aquele que tem uma função de direção na sociedade, para usar um conceito gramsciano) a tarefa de fomentar esse debate na sociedade, tendo em vista a construção de um lazer que se contraponha aos valores que são postos pela sociedade capitalista, que coloca a dimensão do lazer como mero divertimento, preparação da força-de-trabalho, ou ainda, campo propício para o lucro das empresas, a partir da mercadorização, privatização de espaços públicos e valorização do lazer-consumo. Neste sentido, cabe também aos intelectuais pensar na dimensão histórica do lazer, que deve ser colocada como “tempo livre para o gozo de uma atividade livre”, como já vem defendendo a professora Elza Peixoto nos seus estudos. Na questão específica do esporte, pensamos que a inversão de prioridades deve ser colocada como ação estratégica. Para isso, penso que o esporte ao ser colocado como direito social, remete-nos a discutir sua apropriação de forma a se contrapor à perspectiva de formação de atletas, mas como possibilidade de acesso e vivência de toda e qualquer pessoa, a partir da dimensão do lúdico e apontando elementos para que se alcance a emancipação humana, contribuindo assim para a elevação do padrão cultural de mulheres e homens. Eis a nossa tarefa que deverá nos seguir nos espaços de intervenção da educação física, da organização do trabalho pedagógico na escola pública, até os programas e projetos em esporte e lazer tanto em Feira de Santana como na região.
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