O cartaz ao lado nos convida para
uma caminhada no dia sete de abril. Domingo próximo. “Céu de brigadeiro”, sem
nuvem alguma. O sol está presente embora não apareça. A paisagem arborizada
completa o clima agradável e, porque não dizer, saudável.
De imediato, a contradição entre
o texto e a imagem idealizada aparece, já que o homem da ilustração não caminha,
mas, corre. Seria esse um simples paradoxo? Seria essa uma pequena contradição?
O que um cartaz que convida a caminhar quer representar com um sujeito que
corre?
O sujeito, aparentemente corre a
esmo. Ele é indiferente ao que está no horizonte. Corre olhando
despreocupadamente para o piso gramado, muito embora o seu tênis “solicite” um
piso mais duro. Sua camisa, enxuta e “branca como a neve”, parece indicar que
ele começou a correr no exato momento do click do fotógrafo. Tudo na paisagem é
“clean”. Todo o texto aparece limpo e sem odor.
Mas a mensagem é clara. É mais um
investimento do “discurso da vida ativa” que tem como objetivo desenvolver na
população de uma maneira geral, o gosto por um estilo de vida além de ativo,
saudável. Nada de novo. Esse discurso já se encontrava presente na área médica
oitocentista que apresentava a educação do físico como receita e remédio para os
males da sociedade capitalista nascente.
Mas o capitalismo se desenvolveu.
Nesse processo, novas mediações foram aparecendo e junto com elas, as
contradições sociais. Soares em seu estudo sobre Educação Física: raízes europeias
e Brasil, publicado pela editora Autores Associados, alerta que “A medicina
social, que se estrutura a partir do século XIX, procurará demonstrar que a
verdadeira ‘origem’, ‘causa’ ou determinação da doença era a realidade social,
absolutamente opressora, do capitalismo (...) não sendo suficiente, portanto,
apenas a intervenção médica no corpo individual ou no coletivo social para o
restabelecimento ou o estabelecimento da saúde, como postulava a medicina
clínica. Não pode haver saúde sem que se mude a sociedade, pois é a estrutura
social que explica o surgimento das doenças” (pág. 31).
Perdemos essa compreensão. Os
anos 90 do século XX, com o neoliberalismo a engendrar o pensamento único, fez
prevalecer o recuo teórico e a defesa de que a solução dos males da sociedade
estava nas atitudes individuais. Não foi a excelentíssima ex-primeira ministra
britânica, Margaret Thatcher que disse em alto e bom som, em plena efervescência
do neoliberalismo inglês de que só o indivíduo existia e que a sociedade era
uma simples peça de ficção?
É assim que os apologistas do
princípio da vida ativa enxergam o fenômeno da atividade física e saúde. Centra-se
no sujeito, no indivíduo que é posto entre parênteses e suspenso no ar, convencendo-o
que basta tomar gosto pela prática da atividade física, realizá-la por alguns
minutos por dia, que sua saúde vai melhorar, sua qualidade de vida vai ser
ampliada, sua disposição física se elevará a enésima potência, etc, etc.
Notem que o otimismo desta
concepção é tão grande, que a extensão do convite aos familiares e amigos para
praticarem a tal caminhada é sugerido sem preocupação prévia alguma sobre o
estado de bem estar social deste mesmo indivíduo. Parte-se do princípio,
característico desta visão de mundo naturalizante, positivista, que todos têm as
mesmas condições para praticarem a atividade física e adquirir ou ampliar sua
saúde. Não por acaso no cartaz contém a observação que a “atividade física” é “sem
barreiras”, sejam elas físicas ou sociais ou ambas.
No fundo no fundo, a mensagem
expressa no cartaz diz respeito aos indivíduos já saudáveis, brancos e bem
nascidos, aos robustos “mamíferos de luxo” gramsciano, aos que podem usar Bermuda
TechFit, meias de algodão, tênis mizuno, camiseta Crew Ess, Boné Oakley Sport,
relógio Oversized Alpha para desfrutar, despreocupadamente, do prazer de
caminhar ou correr no Jardim de Alah, às sete horas da manhã de um domingo.
Uma pena que a caminhada e a corrida estejam em favor dos ventos, com lenços e documentos.