A Revista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) abordou em seu fascículo deste mês, entre vários temas, um de interesse específico deste blog: a
repercussão da Copa 2014 para a projeção da imagem do Brasil não como o “país
do futebol”, como poderíamos imaginar, mas como uma nação onde “grandes
negócios” podem ser realizados. Um país onde opera a “excelência” e onde existe
um “consumo de alto padrão”.
Esse linha de abordagem não é nova e nem foi
concebida especialmente para a Copa do Mundo do ano passado. Faz parte de uma
estratégia do Instituto Brasileiro de Turismo (antiga EMBRATUR) concebida desde
“2003, quando a criação do Ministério do Turismo absorveu as funções
burocráticas da EMBRATUR, que ficou com a incumbência de promover a imagem do
Brasil no exterior”. (p. 64)
Esse enfoque vem sendo estudado
pelo professor Michel Nicolau Netto, da Universidade Estadual de Campinas. É
sua pesquisa que alimenta a matéria “Turismo como estratégia”. Ele observa que
a partir de 2002, “a EMBRATUR passou a atuar como um agente global que adota
uma série de discursos para construir a imagem do Brasil” e nada melhor para
isso do que aproveitar um dos megaeventos mais assistido no mundo. Estima-se
que a final da Copa entre Alemanha e Argentina foi vista por mais de 1 bilhão
de pessoas em todo o planeta.
Para o professor, duas categorias
são centrais para entender esse processo de construção de uma nova imagem para
o país no exterior: modernidade e diversidade. Essa estratégia, para além da
questão política (“a visão leve e amigável do Brasil foi trabalhada pela
Embratur nos anos 1960 e 70 para se contrapor aos prejuízos causados no
exterior pela associação do país ao autoritarismo e à violência do regime
militar. A própria ideia de liberalidade sexual. Movida pelas imagens de mulheres
atraentes e escassamente vestidas, hoje abominada globalmente por remeter ao
turismo sexual, servia de contraponto e, esperava-se, atenuante à repressão
institucional”) a estratégia no momento é prevalentemente econômica e não se
preocupa com quantidade de turistas em particular mas, sim, com a condição
financeira destes.
Para Netto, “Diversificar e
modernizar são estratégias que não buscam atrair um grande número de
visitantes, mas, sim, turistas que tragam mais dinheiro ao Brasil”.
Não se sabe ainda o impacto
específico da Copa nesse processo de branding.
Ainda é cedo. Mas o setor comemora a fórmula que já vem sendo adotada quando compara o que foi
arrecadado com o mercado de turismo em 2003 (R$ 1,7 bilhões) e em 2013 (R$ 6
bilhões).
Mas, nem tudo são flores quando se
trata de disputar mercado e isso ficou latente na época da Copa, pois a
Embratur “foi severamente desafiada pela presença avassaladora da Federação
Internacional de Futebol (FIFA) e por patrocinadores internacionais. Houve,
então, um contexto de embate simbólico, no qual os agentes buscaram impor suas
visões de mundo aos locais”. (p. 67).
Netto sublinha que “As imagens da
abertura da Copa, com mulatas dançando, e as dos anunciantes relegaram as ações
da Embratur a um espaço reduzido e pouco visível”. Esse embate continua
ocorrendo e será um ponto de tensão nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro,
já que “Agências e governos regionais insistem em manter a imagem mais antiga
do Brasil”. (p. 67).
Camisetas lançadas pela Adidas e que foi retirada de circulação |
Para o pesquisador, o empenho em
estabelecer uma nova imagem para o turismo brasileiro se fortaleceu com o
governo do presidente Lula e tem atraído “o interesse das grandes construtoras
ligadas aos eventos esportivos e demais atrações” que almejam a consolidação
desta imagem de Brasil moderno.
Por fim, nessa estratégia onde os
megaeventos esportivos aparecem como uma oportunidade impar de alavancar os
projetos em disputa “entre duas imagens de um país em transição”, Netto observa: “Resta saber de que lado estão os interesses dos agentes envolvidos”.