segunda-feira, 11 de setembro de 2017

PRIMEIRO MINICURSO DE DEFESA PESSOAL PARA MULHERES E LGBTs DA UEFS: UMA RESPOSTA NECESSÁRIA.



Nossas demandas cotidianas, trabalho, estudos, obrigações com o lar, vão consumindo nosso tempo e nossa capacidade de observar e reagir a algumas situações inadequadas que ferem qualquer convenção social mais simples. Prioridades implantadas nos corações e mentes através das relações individualistas e competitivas do capitalismo. Falta empatia, falta solidariedade, falta o respeito mínimo. Estamos deixando de enxergar o outro. Estamos deixando de nos enxergar.

Esta catarata anti-humano de longas datas já se faz presente na realidade de mulheres e LGBTs no nosso país e no mundo. Debates que não fazem parte da lista de prioridades de muita gente, até porque, dentro de uma lógica patriarcal de exploração dos corpos femininos e LGBTs, que precisam estar à disposição da dominação dos “insaciáveis” no sexo e claro, como instrumento de produção, é ameaçador alertar para alguns processos. Tipo, mulheres e LGBTs são seres humanos. Precisam ser atendidos pela mesma luz constitucional que ilumina os direitos e garantias dos homens cis, para exercerem o mínimo de dignidade humana. Precisam ir e vir com segurança, precisam acessar os espaços públicos ou não. E claro, sem sangrar.

Para se ter uma ideia, nosso país é um dos que mais assiste transexuais no Red Tube, canal especializado em reproduzir vídeos pornográficos. Somos um dos que mais consomem este tipo de pornografia, e, no entanto, matar uma transexual em plena luz do dia ninguém viu, ninguém vê, como a tortura e assassinato de Dandara, em 15 de fevereiro deste ano. Nos primeiros 50 dias de 2016, segundo a publicação da página Super interessante de 14 de junho deste ano, 13 pessoas foram assassinadas por serem transexuais.

É preciso se fazer entender sobre qual tipo de invisibilidade que falo. Não necessariamente convocando a empatia aos modos modernos do “poderia ser um parente seu”. A que nível nós chegamos? Tá difícil, mas certamente a ironia não é minha. Principalmente se observarmos algumas respostas dentro da justiça.

 Basta olharmos a jurisprudência. Ejacular numa mulher em um transporte “público” não é violento. Não cabe nem atentado violento ao pudor, pois, segundo o magistrado, não houve violência (decisão do Juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto sobre o caso em que Diogo Ferreira de Novaes que ejaculou numa passageira, num transporte coletivo). Engels em 1884 na obra A Origem da Família do Estado e da Propriedade Privada já aconselhava que o direito, como outras instituições burguesas, contribuiriam para a perpetuação do patriarcado. O pior de tudo é que o agressor sabe que pode contar também com a invisibilidade de sua prática, com a culpabilização da vítima (1 em cada 3 brasileiros culpam a mulher - Datafolha, 2016) e com textos jurídicos que pouco dialogam com violência sexual. Os avanços conquistados por mulheres e LGBTs na esfera das leis foram: tipificação do crime (matar uma mulher virou crime hediondo), direito ao casamento, redesignação sexual, nome social, mas, pouco se avançou a respeito da violência sexual. Que faz vítimas e mais vítimas, minuto a minuto.  

Por hora, vai levar um tempo para que se alcance algumas alterações por meio da justiça, ou que se adotem ações educacionais efetivas a respeito do combate à violência sexual, ou não, contra mulheres e LGBTs. Aqui na cidade de Feira de Santana por exemplo, já tivemos projetos de políticas sustentáveis sendo repudiados por conter no texto um trecho solicitando igualdade de gêneros. E, vamos dar nomes aos bois. Foi o vereador Edvaldo Lima (PP). É preciso, como ação educativa, mostrar a cara dessas pessoas como também mostrar como é o trabalho de uma bancada evangélica conservadora na esfera municipal.

Foi pensando em todo este caos, invisível e silencioso, e logo após uma ocorrência no nosso “quintal” universitário que realizamos alguns encontros para organizar um evento que sabemos que não tem o poder de encerrar toda essa conjuntura, pois o problema é estrutural, mas, que garanta à mulheres e LGBTs condições de lutar por sua integridade física e de evitar a incidência destes quadros estatísticos. Condições que Dandara, Claudia, Rafaela, Vitor, entre vários outros não tiveram em situações de estupro, homofobia, misoginia. Não esquecendo que já era uma pauta de alguns coletivos a urgência de um curso de defesa pessoal na instituição.

Não somos institucionalizados, e isso é mais uma ação educativa, uma primeira resposta. A segurança dessas populações não foi um debate massivo, não chegou à todos na universidade. E se faz necessário, podemos dizer até urgente, um olhar mais específico, menos ingênuo ou policialesco, do ponto de vista da segurança. Os dados já nos mostraram que os agressores, na maioria dos casos, são pessoas próximas. Medidas que garantam o deslocamento desses estudantes para os banheiros sem que sejam violados. Que garantam o deslocamento entre os módulos, permanência na biblioteca, na fila do bandejão. Que garantam que poderão exercer sua autonomia intelectual em sala de aula sem serem agredidos fisicamente.

Oferecemos nossas horas livres para que pessoas se apropriem de técnicas de defesa pessoal, da mesma forma que outros grupos na história e quando foi necessário, responderam à apatia social ou jurídica. As sufragistas por exemplo, fizeram uso do Jiu-jitsu para se proteger nas manifestações quando entravam em confronto com a polícia na luta pela reivindicação de seus direitos, alvorada do século XX, na Inglaterra. Ou como, Partindo de uma realidade agravada por pertencer a uma etnia criminalizada num dado momento histórico, o transformista brasileiro João Francisco dos Santos, mais conhecido como Madame Satã, fazia uso da capoeira nas noites cariocas. Última instância de quem reunia características sociais odiadas no período, e ainda hoje.

Respostas, que não poderiam ser diferentes quando as estatísticas nos provam que há um verdadeiro extermínio de mulheres e LGBTs. Que não podem ser as mesmas que alguns, por conveniência utilizam, como culpabilização da vítima ou dar às costas ao problema que cresce absurdamente. Se até nosso organismo quando é invadido por uma bactéria (um visitante indesejado e não autorizado ao nosso corpo) reage, e não de forma pacífica, então, porque mulheres e LGBTs tem que responder com o silêncio da sensação da impunidade? Da naturalização?


ALGUMAS INFORMAÇÕES SOBRE O MINICURSO

Os módulos estão sendo realizados no parque esportivo da UEFS desde o dia 19/08, aos sábados, das 9 às 12 horas. Serão 6 módulos ao todo. Os participantes são 30 aluno(a)s de diversos cursos da UEFS, que se organizam em coletivos ou não.

A equipe organizadora é composta pelo professor Elson Moura, pelos egressos: Virna Jandiroba e Lucas Lima, e pelos alunos do curso de Educação Física, Gigliola Souza, Lucas Nunes e David Torres. Colaboram também nos encontros os estudantes Bruno Barros, Marivaldo Andrade e o Professor de Jiu-jitsu Breno Lira.

Já existem 18 inscrições para participação de um possível segundo evento.     

REFERÊNCIAS



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