Nossas
demandas cotidianas, trabalho, estudos, obrigações com o lar, vão consumindo
nosso tempo e nossa capacidade de observar e reagir a algumas situações inadequadas que ferem qualquer convenção social mais simples. Prioridades implantadas nos
corações e mentes através das relações individualistas e competitivas do
capitalismo. Falta empatia, falta solidariedade, falta o respeito mínimo. Estamos
deixando de enxergar o outro. Estamos deixando de nos enxergar.
Esta
catarata anti-humano de longas datas já se faz presente na realidade de
mulheres e LGBTs no nosso país e no mundo. Debates que não fazem parte da lista
de prioridades de muita gente, até porque, dentro de uma lógica patriarcal de
exploração dos corpos femininos e LGBTs, que precisam estar à disposição da
dominação dos “insaciáveis” no sexo e claro, como instrumento de produção, é
ameaçador alertar para alguns processos. Tipo, mulheres e LGBTs são seres humanos. Precisam ser
atendidos pela mesma luz constitucional que ilumina os direitos e garantias dos homens cis, para exercerem o mínimo de dignidade humana. Precisam ir e vir com segurança, precisam
acessar os espaços públicos ou não. E claro, sem sangrar.
Para
se ter uma ideia, nosso país é um dos que mais assiste transexuais no Red Tube,
canal especializado em reproduzir vídeos pornográficos. Somos um dos que mais
consomem este tipo de pornografia, e, no entanto, matar uma transexual em plena
luz do dia ninguém viu, ninguém vê, como a tortura e assassinato de Dandara, em
15 de fevereiro deste ano. Nos primeiros 50 dias de 2016, segundo a publicação
da página Super interessante de 14 de junho deste ano, 13 pessoas foram
assassinadas por serem transexuais.
É
preciso se fazer entender sobre qual tipo de invisibilidade que falo. Não necessariamente
convocando a empatia aos modos modernos do “poderia ser um parente seu”. A que
nível nós chegamos? Tá difícil, mas certamente a ironia não é minha.
Principalmente se observarmos algumas respostas dentro da justiça.
Basta olharmos a jurisprudência. Ejacular numa
mulher em um transporte “público” não é violento. Não cabe nem atentado
violento ao pudor, pois, segundo o magistrado, não houve violência (decisão do
Juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto sobre o caso em que Diogo Ferreira de
Novaes que ejaculou numa passageira, num transporte coletivo). Engels em 1884 na
obra A Origem da Família do Estado e da Propriedade Privada já aconselhava que
o direito, como outras instituições burguesas, contribuiriam para a perpetuação
do patriarcado. O pior de tudo é que o agressor sabe que pode contar também com
a invisibilidade de sua prática, com a culpabilização da vítima (1 em cada 3
brasileiros culpam a mulher - Datafolha, 2016) e com textos jurídicos que pouco
dialogam com violência sexual. Os avanços conquistados por mulheres e LGBTs na
esfera das leis foram: tipificação do crime (matar uma mulher virou crime
hediondo), direito ao casamento, redesignação sexual, nome social, mas, pouco
se avançou a respeito da violência sexual. Que faz vítimas e mais vítimas,
minuto a minuto.
Por
hora, vai levar um tempo para que se alcance algumas alterações por
meio da justiça, ou que se adotem ações educacionais efetivas a respeito do
combate à violência sexual, ou não, contra mulheres e LGBTs. Aqui na cidade de
Feira de Santana por exemplo, já tivemos projetos de políticas sustentáveis
sendo repudiados por conter no texto um trecho solicitando igualdade de
gêneros. E, vamos dar nomes aos bois. Foi o vereador Edvaldo Lima (PP). É
preciso, como ação educativa, mostrar a cara dessas pessoas como também mostrar como é o trabalho de uma bancada evangélica conservadora na esfera municipal.
Foi
pensando em todo este caos, invisível e silencioso, e logo após uma ocorrência
no nosso “quintal” universitário que realizamos alguns encontros para organizar
um evento que sabemos que não tem o poder de encerrar toda essa conjuntura,
pois o problema é estrutural, mas, que garanta à mulheres e LGBTs condições de
lutar por sua integridade física e de evitar a incidência destes quadros
estatísticos. Condições que Dandara, Claudia, Rafaela, Vitor, entre vários
outros não tiveram em situações de estupro, homofobia, misoginia. Não
esquecendo que já era uma pauta de alguns coletivos a urgência de um curso de
defesa pessoal na instituição.
Não
somos institucionalizados, e isso é mais uma ação educativa, uma primeira resposta. A segurança
dessas populações não foi um debate massivo, não chegou à todos na universidade.
E se faz necessário, podemos dizer até urgente, um olhar mais específico, menos
ingênuo ou policialesco, do ponto de vista da segurança. Os dados já nos mostraram
que os agressores, na maioria dos casos, são pessoas próximas. Medidas que
garantam o deslocamento desses estudantes para os banheiros sem que sejam
violados. Que garantam o deslocamento entre os módulos, permanência na biblioteca,
na fila do bandejão. Que garantam que poderão exercer sua autonomia intelectual
em sala de aula sem serem agredidos fisicamente.
Oferecemos
nossas horas livres para que pessoas se apropriem de técnicas de defesa
pessoal, da mesma forma que outros grupos na história e quando foi necessário,
responderam à apatia social ou jurídica. As sufragistas por exemplo, fizeram
uso do Jiu-jitsu para se proteger nas manifestações quando entravam em
confronto com a polícia na luta pela reivindicação de seus direitos, alvorada
do século XX, na Inglaterra. Ou como, Partindo de uma realidade agravada por
pertencer a uma etnia criminalizada num dado momento histórico, o transformista
brasileiro João Francisco dos Santos, mais conhecido como Madame Satã, fazia
uso da capoeira nas noites cariocas. Última instância de quem reunia
características sociais odiadas no período, e ainda hoje.
Respostas,
que não poderiam ser diferentes quando as estatísticas nos provam que há um
verdadeiro extermínio de mulheres e LGBTs. Que não podem ser as mesmas que
alguns, por conveniência utilizam, como culpabilização da vítima ou dar às
costas ao problema que cresce absurdamente. Se até nosso organismo quando é
invadido por uma bactéria (um visitante indesejado e não autorizado ao nosso
corpo) reage, e não de forma pacífica, então, porque mulheres e LGBTs tem que
responder com o silêncio da sensação da impunidade? Da naturalização?
ALGUMAS INFORMAÇÕES
SOBRE O MINICURSO
Os
módulos estão sendo realizados no parque esportivo da UEFS desde o dia 19/08,
aos sábados, das 9 às 12 horas. Serão 6 módulos ao todo. Os participantes são
30 aluno(a)s de diversos cursos da UEFS, que se organizam em coletivos ou não.
A
equipe organizadora é composta pelo professor Elson Moura, pelos egressos: Virna
Jandiroba e Lucas Lima, e pelos alunos do curso de Educação Física, Gigliola Souza,
Lucas Nunes e David Torres. Colaboram também nos encontros os estudantes Bruno
Barros, Marivaldo Andrade e o Professor de Jiu-jitsu Breno Lira.
Já
existem 18 inscrições para participação de um possível segundo evento.
REFERÊNCIAS
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