Um dos esportes mais
consumidos pelos norte-americanos está passando por um momento de euforia
política, dividindo patriotas e defensores da “liberdade de expressão”
norte americana. Na realidade, trata-se do fenômeno esportivo materializando as
relações mais gerais dentro das suas 4 linhas. Desde a eleição que nomeou
Donald Trump presidente dos Estados Unidos, uma cortina de medo e revolta paira
sobre a população que já sofre há algum tempo com o genocídio do seu povo
negro. Seus discursos carregados de incentivo à divisão racial, religiosa e
claro instigando a xenofobia, desenterrou alguns monstros, como a passeata da
extrema-direita em Charllotesville, suásticas decorando fachadas de residências
e vandalismos em templos muçulmanos.
Um
quarterback é o protagonista de um crescente
movimento político dentro do evento que movimenta milhões em transmissão,
vendas de ingresso e lucros em produtos licenciados. A mais ou menos um ano, Colin
Kaepernick, ex- San Francisco49ers, hoje, desempregado, iniciou uma onda de
protestos simbólicos durante o início das partidas da liga, mais precisamente
durante a realização do hino nacional norte americano. O jogador ajoelha-se em
protesto. O que para vários patriotas significa uma afronta, uma injuria, para
ele é um ato em resposta ao genocídio do povo negro contra a violência estatal
nos EUA.
(Colin, de joelhos, durante a execução do hino)
Alguns críticos creditam a demissão do atleta e a sua não
contratação ao seu mau desempenho durante algumas partidas, entretanto, o
incomodo do presidente Donald Trump, que chegou ao nível de chamar o atleta de
“filho da puta” e a solicitar que os amantes do fenômeno esportivo deixem de
prestigiar os eventos da NFL, nos indica que algo de maior há por trás da
polêmica. Assédio moral e ameaças também fazem parte das declarações do
mandatário: “Se os seguidores da NFL se
recusarem a ir aos jogos enquanto os jogadores desrespeitarem nossa bandeira e
nosso país, vocês verão uma mudança rápida. Demitam ou suspendam [os jogadores]”.
Essas declarações causaram uma onda de solidariedade a pauta
do quarterback. Inclusive, equipes que fizeram doações de campanha ao
presidente racista, se posicionaram em suas redes sociais contra seus
comentários. Obviamente, seria uma contradição muito grande se as equipes não
se posicionassem a favor dos seus atletas negros, que são maioria dentro do
esporte. O que causa dúvidas é se, realmente foi um ato gentil com essa
população financiar a campanha de um candidato que sempre se posicionou
segregacionista. Até a década de 60 no país a comunidade negra sofria com leis
de segregação racial e hoje, possuem piores moradias, piores postos de trabalho
e lotam os presídios.
Por outro lado e dentro da perspectiva da causa negra,
diversos jogadores aderiram à manifestação durante as partidas nos EUA e no
mundo, inclusive, celebridades do mundo da música, artistas, apresentadores de
TV e produtores musicais, utilizando em suas publicações nas redes sociais a hashtag #TakeTheKnee. O que demonstra um
enfrentamento ao presidente e a todo o contexto, sem esquecer do peso simbólico
que é uma representação esportiva encarar toda a lógica econômica por trás desses
grandes eventos, na luta por uma causa. Me lembrou Tommie Smith e John Carlos, com seus punhos cerrados nas olimpíadas do México, em 1968.
O esporte instigando uma mobilização política de
enfrentamento, diante de um cenário de recrudescimento da moral conservadora,
racista, fascista. Se observarmos na nossa história e em outros “estádios”, o
esporte já serviu de objeto de hipnose (do grego hipinos = Sono, Latin osis =
ação ou processo) das massas, particularmente no período da ditadura civil/militar,
e na Alemanha nazista. O que unia todos no “mesmo sentimento”, num momento
histórico parecido, agora divide opiniões e críticas. Coloca em exposição mazelas
sociais que pareciam invisíveis, e provocam à reflexão se realmente existem
ambientes propícios ou adequados para se discutir, expressar, ou denunciar a
violência de uma forma geral, já que vivemos numa “democracia”. Uma excelente
pauta para nossas aulas na universidade, escola, academia...
Uma boa oportunidade para nós da
Educação Física, ou não, refletirmos sobre nossas práticas, já que nossa
conjuntura não é tão diferente. Além do genocídio do povo negro em nosso país,
estamos passando por um desmonte das universidades públicas, nos programas de
incentivo e permanência de estudantes e de atletas (o governo enviou uma
proposta orçamentária reduzindo 87% das verbas disponíveis para os programas do
ministério dos esportes), que vai afetar resultados de uma maneira geral. Na escassez
de concursos públicos e no fortalecimento da lógica de que o local do/e o
acesso ao esporte é exclusividade da esfera privada.
Deixo, por fim, um recado bem
interessante. Não precisamos esperar o momento do hino!
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
(Intertexto
– Bertolt Brecht)
REFERÊNCIAS
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