Nossa postagem desta semana é do jornalista baiano Albenísio Fonseca, Diretor Editorial do Jornal da Península. Albenísio já atuou como revisor, repórter, editor nos jornais A Tarde, Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, Jornal da Bahia e Bahia Hoje, além de lançar as publicações "Revista do Carnaval", "Stylo & Moda" e free-lancers para Folha de S. Paulo e assessorias de comunicação em empresas, prefeituras e mandatos de parlamentares. O jornalista mantém um blog onde publica várias de suas ideias. O jornalista autorizou a publicação do texto abaixo que foi publicado no seu blog no dia 07 de junho, data em que ainda acalentávamos a esperança do selecionado canarinho ganhar o hexa, embora várias críticas confirmadas no jogo mais duro em que a seleção brasileira enfrentou, contra a Holanda, estivessem sendo dirigidas ao Dunga. Vamos ao texto.
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Futebol, um jogo revolucionário
Albenísio Fonseca
O único delírio coletivo permitido no Brasil, além do Carnaval, é a conquista da Copa do Mundo. Espetáculo coletivo, o futebol torna-se ritualístico na medida em que identifica os espectadores com o drama que se desenrola em campo. Os jogadores são como personagens de teatro com os quais nos identificamos numa relação ritualística (espetacular) em que o campo se converte num grande teatro de arena. Visto de forma simbólica, emocional e arquetípica, o futebol é uma confrontação de opostos durante a qual inúmeras emoções são elaboradas, soltas, exercidas e domesticadas.
As origens do futebol perdem-se nos subterrâneos da História. Iniciado na Inglaterra, provavelmente a partir do harpastum, jogo de bola com as mãos trazido pelos romanos da Grécia, há também a hipótese de que tenha-se originado do costume primitivo de chutar a cabeça dos inimigos para comemorar vitórias. Existe ainda a informação do futebol jogado nas terças-feiras de Carnaval em Chester, cidade inglesa fundada pelos romanos.
É possível relacionar pelo menos quatro razões para afirmar o futebol como um jogo revolucionário. Por sua associação ao Carnaval, festa visceralmente ligada à liberação das emoções e instintos. Por ser jogado com os pés, numa contrapartida para com as atividades sociais organizadas e praticadas sob o controle das mãos. Por ser um esporte coletivo e, desse modo, contrariar os esportes individualistas das elites. E, ainda, por dirigir as emoções do povo para uma disputa que acaba bem, ao contrário dos torneios que terminavam com a morte de um dos contendores.
O futebol registra episódios surpreendentes, como o de uma guerra entre a Inglaterra e a Escócia, em 1297, acabar desmoralizada porque os soldados de Lancashire, tradicionais inimigos dos escoceses, desobedeceram a seus comandantes e preferirem disputar sua rivalidade no futebol, ao invés de guerrear.
A face revolucionária do futebol diante do padrão patriarcal acabou por gerar sua repressão legal na Inglaterra, por razões militares de Estado, a partir do século 14, e motivo de ampla legislação proibitiva até o século 16. Mas o esporte floresceria e se difundiria por todas as culturas pelas mais diversas vias. Ao nos identificarmos com os jogadores nesse ritual dramático, sentimos que eles realizam por nós proezas físicas e psíquicas, que nos gratificam profundamente. Se as proezas físicas são maravilhosas de ver, as psíquicas são partilhadas e usufruídas. A imprevisibilidade do jogo faz com que toda sorte de emoções surja entre os heróis e o gol (jogadores de futebol são heróis do povo e o goleador o maior deles).
A ação dramática transcorrida nos 90 minutos é um símbolo transfigurado do processo de luta pela vida para atingir nossas metas. Como o gol adversário (a meta) é defendido por um time igual ao nosso, para atingi-lo temos que nos defrontar com emoções intensas e atravessá-las pelo drible, pelo controle da bola, intuição, planejamento, ação conjunta, malícia, velocidade, tudo enfim que há de humano contra tudo humanamente igual.
O futebol lida com emoções da maior importância, como a agressividade, a competição, amizade, rivalidade, inveja, orgulho, depressão, humilhação, fingimento e traição, entre tantos outros. O exercício da ética no futebol é tão evoluído que trouxe até mesmo a codificação de não se marcar uma falta que beneficie o infrator. Também a regra do impedimento, que proíbe receber por trás da defesa, delimitando física, espacial e dramaticamente situações de lealdade no confronto direto, e de traição no atacar por trás.
As emoções elaboradas pelos jogadores correspondem, simultaneamente, às vividas pelos torcedores. Um time que se lança ao ataque ativa a coragem e a ambição do torcedor. As tentativas de invasão de área e realização do gol podem, de logo, ser invertidas num contra-ataque. No mais, acompanhemos os jogos dessa 19ª Copa do Mundo, na África do Sul, com um esforço de consciência para compreender seus símbolos e exercê-los, não só no âmbito das suas arenas, mas em todas as instâncias da política e da cultura.
2 comentários:
É muito bom poder enxergar o futebol da maneira que ele é colocado nesta sábia postagem. Concordo que o futebol tem um papel relevante na cultura de quase todos os países do mundo (afinal ele é considerado o esporte mais popular do mundo)e acredito que com o tempo ele realmente assumiu uma posição muito forte enquanto espetáculo considerado popular.
No entanto, não podemos esquecer que quando o futebol assume as características do esporte moderno e espetaculariza-se (rendendo-se aos interesses economicos do capital), a coletividade outrora vista como ameaça revolucionária à etite por unir a grande massa popular, termina se tornando instrumento nas mãos da própria elite para selecionar aqueles que renderao lucro (os sujeitos mais aptos - atletas) e alienar a imensa parte popular "excluída" da real vivência do jogo.
OBS.:É claro que a grande parte da população irá vivenciar o futebol na forma do esporte-lazer (que também é extremantente influenciado pelo futebol espetáculo que é mostrado na Tv 24horas do dia).
bjos welingtonnnnn.....
O futebol é uma delícia e me apaixono a cada dia, pois ele pode ser visto e comentado de várias formas.
Belo texto, parabéns!
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