Quem nunca ouviu aquela
breve e preocupada dica dos parentes antes de ir visitar a casa de algum amigo da família:
– Se comporte na casa dos outros!? Alguns torcedores brasileiros que foram
assistir aos jogos na Rússia, aparentemente, estão seguindo bem essa orientação
da pátria canarinha. Neste domingo (17) alguns vídeos foram viralizados nos
aplicativos de mensagens (Você
pode assistir aqui), mostrando torcedores brasileiros cercando uma jovem
russa, entoando uma canção como uma torcida organizada, “Bu.... rosa”. A moça, se mostrando gentil aos
visitantes e sinalizando não entender do que se trata, participa ingenuamente
desse escárnio.
O amigo leitor deve
estar se perguntando: Como assim estão seguindo bem a orientação da pátria canarinha? Talvez você não se lembre que há pouco tempo, foi necessário fazer
uma campanha entre jornalistas da mídia esportiva para denunciar os assédios
sofridos durante as coberturas das partidas dos campeonatos, nas capitais ou
não do Brasil (confira
a matéria aqui). Atitudes como essa são ainda muito “naturais” no nosso
país. É só observar a quantidade de pessoas que comentam que expor uma
manifestação de machismo e assédio é puro “mimimi”, que o mundo está ficando
chato. Tá sim, afinal, somos o quinto país que mais mata mulheres no mundo.
Deve estar ficando ainda mais chato. A “brincadeira” dos, aparentemente, rapazes de classe média /classe alta
da nossa sociedade, nos leva a pensar no poder simbólico que carrega a
expressão linguística utilizada no vídeo. Nosso país é um dos líderes do
ranking de cirurgias plásticas em órgãos genitais femininos (matéria
aqui). Em 2016 foram 13 mil intervenções cirúrgicas, chamadas de
labioplastias ou ninfoplastias (uma forma de corrigir “imperfeições” na vagina) num revezamento entre necessidade e busca de um padrão perfeito, como o que podemos verificar no vídeo do assédio
na Rússia ou em páginas feministas que lutam contra mais uma imposição ao
corpo feminino. Este movimento da “vagina perfeita” está submetendo mulheres a
encarar um processo cirúrgico numa região altamente sensível do corpo.
O nosso (des)governo
tentou até ajudar(não nesse caso específico), ou melhor, tentou piorar as coisas. Ao invés de tomar uma
postura firme contra a homofobia do país anfitrião, como fizeram nossos
vizinhos argentinos que criaram uma vídeo campanha (assista aqui) para
mostrar que o futebol é um esporte onde o afeto e demonstrações de carinho
masculino é muito forte (coisa que na Rússia é proibido desde 2013), o Itamaraty desenvolveu uma cartilha para orientar a população LGBT de como se
comportar nas ruas durante o megaevento futebolístico.
Um chute que passou
longe da trave diante do que aconteceu com a moça russa e uma total falta de
noção da realidade. Qualquer LGBT brasileiro sabe desde a infância como se
comportar num país com ou sem leis homofóbicas. Basta observar a perseguição e
o extermínio deles em nossas ruas, a qualquer hora, ou mais precisamente, a
cada 19 horas, segundo o Grupo Gay da Bahia. Não se esperava outra coisa de um
elenco que participou de uma partida que tirou uma Presidenta democraticamente
eleita, “com o supremo e com tudo”, e com uma “pataquada” torcida misógina
disparando frases do tipo: Vai tomar no c. Dilma, Jumenta, anta, burra entre
outras sandices. Essa bola ou cartilha, melhor dizendo, era para ser passada para os homens Cis mas, pra quê se não fazem nada além do "normal"?
Por isso é tão
importante que o diálogo de gênero e sexualidade seja incluído em nossas
escolas, orientando toda população sobre atitudes machistas e suas
consequências, quase sempre trágicas. Esse jogo inicia como "brincadeira", mas o final é sempre assédio, estupro e, como nos gritam as estatísticas, termina em morte.
Outros “meninos” como os do vídeo na Rússia continuarão a aparecer, seja numa copa do mundo
de futebol, seja num mundial de vôlei, de basquete... Eles estão apenas reproduzindo aquilo
que aprendem todos os dias em seu país, pois, nossa pátria mãe “gentil”, atarefada com sua jornada tripla de trabalho, ganhando salário menor que os homens e com papeis sociais que impõe toda responsabilidade da educação dos filhos sobre suas costas, também sofre e muito com esses comportamentos.
Sigamos para nosso próximo adversário, a Costa
Rica.
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