sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A construção de uma outra imagem do Brasil

A Revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) abordou em seu fascículo deste mês, entre vários temas, um de interesse específico deste blog: a repercussão da Copa 2014 para a projeção da imagem do Brasil não como o “país do futebol”, como poderíamos imaginar, mas como uma nação onde “grandes negócios” podem ser realizados. Um país onde opera a “excelência” e onde existe um “consumo de alto padrão”.

Esse linha de abordagem não é nova e nem foi concebida especialmente para a Copa do Mundo do ano passado. Faz parte de uma estratégia do Instituto Brasileiro de Turismo (antiga EMBRATUR) concebida desde “2003, quando a criação do Ministério do Turismo absorveu as funções burocráticas da EMBRATUR, que ficou com a incumbência de promover a imagem do Brasil no exterior”. (p. 64)

Esse enfoque vem sendo estudado pelo professor Michel Nicolau Netto, da Universidade Estadual de Campinas. É sua pesquisa que alimenta a matéria “Turismo como estratégia”. Ele observa que a partir de 2002, “a EMBRATUR passou a atuar como um agente global que adota uma série de discursos para construir a imagem do Brasil” e nada melhor para isso do que aproveitar um dos megaeventos mais assistido no mundo. Estima-se que a final da Copa entre Alemanha e Argentina foi vista por mais de 1 bilhão de pessoas em todo o planeta.

Para o professor, duas categorias são centrais para entender esse processo de construção de uma nova imagem para o país no exterior: modernidade e diversidade. Essa estratégia, para além da questão política (“a visão leve e amigável do Brasil foi trabalhada pela Embratur nos anos 1960 e 70 para se contrapor aos prejuízos causados no exterior pela associação do país ao autoritarismo e à violência do regime militar. A própria ideia de liberalidade sexual. Movida pelas imagens de mulheres atraentes e escassamente vestidas, hoje abominada globalmente por remeter ao turismo sexual, servia de contraponto e, esperava-se, atenuante à repressão institucional”) a estratégia no momento é prevalentemente econômica e não se preocupa com quantidade de turistas em particular mas, sim, com a condição financeira destes.

Para Netto, “Diversificar e modernizar são estratégias que não buscam atrair um grande número de visitantes, mas, sim, turistas que tragam mais dinheiro ao Brasil”.

Não se sabe ainda o impacto específico da Copa nesse processo de branding. Ainda é cedo. Mas o setor comemora a fórmula que já vem sendo adotada quando compara o que foi arrecadado com o mercado de turismo em 2003 (R$ 1,7 bilhões) e em 2013 (R$ 6 bilhões).

Mas, nem tudo são flores quando se trata de disputar mercado e isso ficou latente na época da Copa, pois a Embratur “foi severamente desafiada pela presença avassaladora da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e por patrocinadores internacionais. Houve, então, um contexto de embate simbólico, no qual os agentes buscaram impor suas visões de mundo aos locais”. (p. 67).

Netto sublinha que “As imagens da abertura da Copa, com mulatas dançando, e as dos anunciantes relegaram as ações da Embratur a um espaço reduzido e pouco visível”. Esse embate continua ocorrendo e será um ponto de tensão nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, já que “Agências e governos regionais insistem em manter a imagem mais antiga do Brasil”. (p. 67).

Camisetas lançadas pela Adidas e que foi retirada de circulação
Isso ocorre também com as grandes marcas esportivas. A matéria informa que uma destas, patrocinadora do evento “lançou duas camisetas que remetiam à velha imagem de que a mulher brasileira é um objeto sexual. A repercussão foi tão ruim que a fabricante de material esportivo retirou o produto de circulação rapidamente”. (p. 67)

Para o pesquisador, o empenho em estabelecer uma nova imagem para o turismo brasileiro se fortaleceu com o governo do presidente Lula e tem atraído “o interesse das grandes construtoras ligadas aos eventos esportivos e demais atrações” que almejam a consolidação desta imagem de Brasil moderno.

Por fim, nessa estratégia onde os megaeventos esportivos aparecem como uma oportunidade impar de alavancar os projetos em disputa “entre duas imagens de um país em transição”, Netto observa: “Resta saber de que lado estão os interesses dos agentes envolvidos”.

Um comentário:

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