Tem um tempinho que estou pra escrever esse texto. Antes de vir pro Grupo Metrópole, eu era editor no Grande Prêmio, o maior e mais antigo site de automobilismo do Brasil. Na nossa redação virtual, conversávamos muito sobre como o torcedor brasileiro da Fórmula 1 não gostava de Fórmula 1; gostava de ver brasileiro ganhando. E isso, de certa forma, explica a idolatria que Ayrton Senna ainda tem hoje. Morreu ainda no auge, ainda numa grande equipe, ainda como alguém de quem se esperava um título, mesmo naquela Williams de 1994.
Hoje, o esporte da vez é o MMA. Dos primórdios até dois anos atrás, era o esporte de um nicho. Veio, então, o boom. E, junto com todo o lado bom do crescimento, nasceu uma fonte inesgotável de chorume.
O que falo agora é uma generalização, claro, e, como tal, há exceções nela. Mas que fique claro: o brasileiro não gosta de MMA. A cultura brasileira não é esportiva, não é do ganhar-perder-empatar. O comportamento do torcedor brasileiro não é o de reconhecer o sucesso do atleta, mas de embarcar nesse sucesso, de sentir como se fosse parte daquilo -- e ele não é. O esporte existe porque há seguidores, porque há mercado, mas não há contribuição do torcedor de sofá em cada vitória.
Essa ilusão, entretanto, é alimentada todos os dias. É só assistir às principais emissoras de TV, acompanhar os principais programas, ler os principais jornais. Ontem, durante a luta, eu vi um dos comentaristas do SporTV dizer que Cigano estava melhorando no combate, quando o que havia era somente uma diminuição de ritmo devido ao cansaço de quem dominava. Pior: ouvi este comentarista dizer que, naquele combate, Cigano parou/frustrou Velasquez nas quedas. Velasquez, minha gente, conseguiu VINTE E SETE quedas na luta inteira. É o novo recorde de quedas em uma luta na categoria dos pesados do UFC.
A torcida vem do analista, que não pode torcer. Contamina o torcedor, que só pode torcer. Aí quem só pode torcer se deixa iludir. E se sente tão ou mais importante do que o esportista. Quando o espírito brasileiro-melhor-do-mundo envolve o torcedor, o atleta vira aquele cara com obrigação de vencer, de dar show, de "representar o Brasil".
Atleta nenhum "representa o Brasil". Ele representa, no máximo, sua família, seus amigos, seus parceiros de treino. Cigano não é o "nosso Júnior Cigano", o "Júnior Cigano do Brasil". É um dos mais talentosos lutadores que já passaram pela divisão dos pesados do UFC, a maior organização de MMA do mundo. É o parente dos familiares dele, o amigo dos amigos dele, o parceiro dos parceiros dele. E um grande atleta para quem torce por ele. E pronto.
Para este tipo de torcedor, se o "nosso" atleta é amplamente dominado, é impossível ressaltar a superioridade do adversário; é preciso dizer que "tem algo errado" com o brasileiro. Se a Seleção Brasileira de futebol perde uma Copa do Mundo -- ó, sacrilégio -- surge rapidamente uma teoria da conspiração decretando que a equipe "vendeu" o jogo à Nike, à Adidas, à Dell'erba, à CCS, à Kanxa.
O ciclo se repete, só muda o esporte
Retirado do site Metro1, hoje, 12:40.
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