Provavelmente nenhum de nós ouvimos falar de uma pequena cidade situada a dez quilômetros da Cidade do Cabo chamada de Athlone nas programações televisivas sobre o mundial da África do Sul, mas esta foi palco de uma situação muito esclarecedora quando o assunto é a perspectiva da FIFA em relação ao evento que terá início no próximo dia 11.
Estamos muito acostumados a ler e ouvir que existe uma preocupação crescente da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional em relação ao chamado "legado social" deixado pelos seus respectivos eventos nas cidades sedes. De memória recente, tivemos aqui no Brasil o Pan-2007, no Rio de Janeiro. Entre o legado anunciado, estava a melhoria da mobilidade urbana, com a extensão do metrô até a Barra da Tijuca. Só ficou no papel esta e tantas outras melhorias anunciadas.
Mas o palco é Athlone e os atores iniciais são os representantes da prefeitura local e o governo da província. "As autoridades vislumbraram a possibilidade de, finalmente, criar empregos na periferia da segunda maior cidade do país. A ideia era aproveitar o evento para pavimentar avenidas, construir novas casas, reformar as antigas, incremenar o transporte coletivo".
No entanto, eles não contavam com o entendimento, muito mais moderno, do que significa "legado social" para a comitiva da FIFA que ao visitar o local escolhido e informada sobre a "(...) importância da escolha de Athlone para o incremento da área e a melhoria da vida das milhares de pessoas que moram ali" tratou de deixar muito claro que a preocupação da FIFA é muito mais com o "(...) público global da Copa do que na particularidade nacional" anunciando em alto e bom som ao jornal Mail & Guardian para que não restasse nenhuma dúvida aos bem intencionados, mas arcaicos e ultrapassados representantes da administração de Athlone, cuja mentalidade era típica dos intelectuais que gostam de miséria, de que o povo gosta mesmo é de luxo e que portanto, "Os bilhões de espectadores não querem ver favelas e pobrezas pela televisão".
Assim, buscando atender ao entendimento do "legado social" made in fifa, Athlone foi dispensada e anunciou-se, quatro meses após a visita da comitiva, que um novo estádio seria construído "(...) com 68 mil lugares, num dos bairros mais ricos da Cidade do Cabo".
Foi assim que surgiu o belíssimo estádio Green Point, palco das semi-finais da Copa da África do Sul. O nome do estádio se deve ao fato do mesmo ter sido erguido "(...) em uma das poucas reservas verdes da cidade (...)", uma tradução perfeita, coerente e simbiôntica entre o legado social e o legado ambiental "made in FIFA".
"Financiada com dinheiro público, a obra custou 1,1 bilhão de reais, quase quatro vezes mais do que o previsto. Ou era isso ou não tinha Copa, argumentou o vice-prefeito Ian Nelson, quando o estádio foi licitado". Talvez por essas e outras imposições a FIFA seja considerada, pelo Eduardo Galeano, o FMI do futebol.
Para uma entidade que representa um mercado de "250 bilhões de dólares anualmente" e que só "no ano passado faturou 1 bilhão de dólares com um lucro líquido de quase 200 milhões de dólares" e que até o momento "só com a Copa da África do Sul, ganhou 3,8 bilhões de dólares" fica realmente difícil pensar no social dos cerca de 130 mil moradores de Athlone.
[AS CITAÇÕES EM NEGRITO PRESENTES NO TEXTO FORAM RETIRADAS DA REPORTAGEM DE DANIELA PINHEIRO, PUBLICADA NA REVISTA PIAUÍ DO MÊS DE MAIO E INTITULADA QUESTÕES ECONÔMICO-LUDOPÉDICAS: A COPA DO CABO AO RIO. PÁG. 43-49].
4 comentários:
Essas informações deste texto vêm nas mesmas direções das nossas colocações no texto anterior. As imposições feitas de forma ostensiva e arbitrária por parte do "Tio Sam" a dispeito do seu american way o life, leia-se FMI BIRD e Banco Mundial deixam bem claro e de forma sutil a maneira como são regidas as políticas por baixo do discurso midiático, da utilizaçção ideológica do esporte como forma de disseminação imperialista\capitalista burguesa. São mercados importantes para a Coca-Cola, a Nike e por aí vaí... São jazidas preciosas naquelas minas de diamantes que não refletem a enorme disparidade econômico-social daquele povo, muitos deles envoltos em regimes ditatoriais.
As televisões têm mostrado criãnças africanas descalças sorrientes e alegres em enorme estado de miséria e de pobreza. indices enormes de roubo que denotam a necessidade daquele povo de sobreviver e de ter acesso aos bens de consumo.
Legado? Um rombo, um estupro político e social imposto pela Fifa a Athlone as vistas do mundo inteiro que vibra com furor a espera de mais uma Copa!
Forte abraço a todos!
Espero que a mídia não mostre somente crianças africanas com pés descalços, pois, a África não se resume a isso: miséria.
Kuat
Blogueiros
Por achar pertinente eu não resistí e resolvi pontuar citações relacionadas com o texto proposto! Dentro de um entendimento dos interesses da Fifa, Banco Mundial e FMI, suas interferências nas sociedades afim de implementarem os seus modelos.
"(...)O processo de reestruturação produtiva deve ser compreendido em sua relação com o processo de acumulação capitalista. (...)O pensamento neoliberal não é contraditório ao aceitar a miséria quando desenvolve suas teses econômicas.. Se propusesse o fim da miseria, estaria propondo um sistema econômico que levaria ao fim do proletariado, à inclusão de todos/as à economia"
(...)O caráter mínimo do estado se apresenta na deteriorização das políticas sociais, na incapacidade de conter o desemprego em massa, na baixa aplicação de recursos públicos para a educação e a saúde, na contenção dos gastos com os servidores públicos, emfim, em um conjunto de medidas tomadas sempre de forma autoritária - Estado máximo para o capital e mínimo para o trabalho - (...) Direitos sociais conquistads em décadas nas lutas são transformados em "desejáveis" mercadorias. A educação, saúde pública, a previdência social e outros direitos do conjunto da classe trabalhadora são transformadas em mercadorias avidas por lucro. As política sóciais neoliberais incorporam os conceitos desenvolvidos no mundo empresarial, como "eficácia", "rendimento", e recriam uma ordem política baseada na hegemonia dos critérios econômicos, vitimando setores sociais inteiros que não podem disputar no mercado o acesso a sua dignidade"
(A Cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho / Pablo Gentili & Gaudêncio Frigotto (orgs) - São Paulo; Editora Cortez Pág 65 e 73)
Abraços a todos e todas!
Kuat, realmente a Àfrica do Sul não é só miséria. Inclusive a revista Época trouxe, na semana passada um encarte em que situa elementos referentes as questões do desenvolvimento econômico, político e cultural da Alemanha, país que sediou a Copa 2006, a África, esta edição da Copa e o Brasil, país que sediará a próxima Copa, onde demonstra índices superiores ao Brasil em relação a alguns elementos.
Postar um comentário