O Estado do Rio de Janeiro, mais uma vez se torna vítima de uma catástrofe onde as forças da natureza são colocadas como as principais culpadas. Pura retórica, falácia das mais escabrosas que busca retirar do foco os verdadeiros culpados, a saber, a política que atende os interesses das grandes construturas que têm na especulação imobiliária o seu ganho principal e os políticos que teimam em fazer do Estado, tal como nos ensina Gramsci, um instrumento de gerência dos interesses da burguesia.
No dia 01 de janeiro deste ano, o Rio amanheceu com os jornais estapando mensagens sobre ao menos 19 mortes em função das chuvas. 10 na capital, 07 na baixada fluminense e 02 em Niterói, conforme a Folha de São Paulo. No dia 02, ainda com referência na Folha, foi o soterramento o culpado de 30 mortes em Angra dos Reis.
Mais uma vez, a chuva aparece como protagonista da tragédia que acometeu o Rio de Janeiro e região metropolitana no último dia 06. Geralmente chuva e soterramento agem juntos, como uma verdadeira quadrilha.
Se já não bastassem os presídios estarem abarrotados dos "ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada" (Eduardo Galeano), agora os mesmos deverão ter como companhia a senhora chuva e o senhor soterramento, culpados inconteste das tragédias sempre anunciadas, isso depois que as mesmas ocorrem.
Além da chuva e do soterramento, uma outra culpada é a teimosia. É incrível como as pessoas teimam em morar em lugares tão perigosos. Quanto mais exemplos trágicos pululam nas redes de televisão sempre comovidas com os fatos espetaculares, mais gosto as pessoas ganham em morar nos morros, em construir puxadinhos, em bater laje. São verdadeiros Indianas Jones, adoram viver perigosamente.
Mais o Rio de Janeiro não é só tragédia. É festa também. E isso é muito bom. O problema reside quando as prioridades cedem lugar a projetos que agregam valor às grandes corporações que vão da mídia até as empreiteiras, passando pelos diferentes setores apadrinhados pela política corporativa e pelos políticos corruptos, que pactuam com a elite carioca ou são, eles mesmos, a própria.
Me refiro ao projeto Olímpico, que tanta alegria trouxe aos brasileiros e, em especial, aos cariocas, no dia 02 de outubro do ano passado. No entanto, o governo do Rio de Janeiro deveria saber que desde 1965 o estado não dispõe de plano habitacional, muito embora tenha gasto somas vultuosas em dinheiro e desenvolvido diversos projetos anos seguidos para colocar o Rio na rota olímpica, obtendo sucesso, o que demonstra a capacidade de consolidação dos projetos quando existe vontade política para que o mesmo dê certo.
Como entendemos que a importância de uma Olimpíada para um país, qualquer que seja ele, transcende os aspectos particulares do esporte, assume portanto caráter político e econômico com vários exemplos na história, conclamamos a inversão das prioridades: por um projeto de nação para todos os brasileiros, indistintamente, por uma "ampliação do acesso adequado ao solo das cidades" (uma das diretrizes do Fórum Urbano Mundial, ocorrido, não por acaso, no Rio de Janeiro, dias 26 e 27 de março), pela democratização das decisões inerentes ao desenvolvimento da cidade entre outros.
14 comentários:
REJEITAMOS AS OLIMPIADAS, ETC E OS RECURSOS FOSSEM LIBERADOS PARA OS "MENOS AFORTUNADOS"? Ocorre que os recursos de Olimpiada$$$ e Copa$$$ $ão $sempre $$$$$$uper valorizado$$$$
aBRAÇOS E.... $UCE$$OS.....
Sempre me portei com essa análise sobre as situações causadas pelas chuvas. A idéia que dá é que o Brasil, em especial as regiões com menos incidência, não está preparado para a fúria das chuvas. Ao invés de ser investido em saneamento e condições de moradia para a população, claro que o local que é escolhido para morar nem sempre são os ideais, muito é gasto com "futilidade" e falcatruas pelos nossos governastes.
Meus sentimentos aos parentes das vítimas desta calamidade...
As tempestades recentes no Rio de Janeiro e em outros estados como aqui na Bahia vieram não apenas mostrar os "ralos" estupidos pelos lixos, entulhos e o descaso com o meio-ambiente por achar esse modo de produção que os recurssos são inesgotáveis provavelmente. É incrível a quantidade de sujeira essas águas têm arrastado, ou têm exposto. Uma prova disso são os questiionamentos com relação a utilização do dinheiro público e o critério de divisão financeira para os estados investirem em infra-estrutura, que no Rio de Janeiro, em 2009, foram números que distoam da necessidade pelas quais a cidade passa. Segundo o portal CONTAS ABERTAS o "Rio não recebeu um centavo da verba federal de prevenção a desastres em 2010" e ainda "No ano passado,o Rio recebeu apenas 1% da verba de prevenção a desastres, que prevê ações de contenção de encostas, canalização de rios, etc". Em contrapartida vêmos que a Bahia, estado do ex-ministro da Integração Nacional, que gerencia o programa de prevenção a desastres, recebeu + da metade dos recursos em 2010" (!!!).
Aqui em Feira de Santana foram gastos milhões com o que eles chamam de "viadutos" mas que na verdade não passam de meros elevados ao meu ver desnecessários e no entanto apenas com uma chuva de 15 minutos é o suficiente para que diversos cruzamentos no centro da cidade fiquem alagados em função do péssimo sistema de drenagem, sem falar na população das áreas circunvizinhas. Casas foram inundadas pelas águas, árvores cairam, um homem foi arrastado pela correnteza e morreu. Fala-se agora que a "dignidade" dessas pessoas e da comunidade é mais importante do que o "embelezamento" da cidade. Fala-se isso, mas só agora!
Atribuir somente ao aspecto de catástrofes natural chega a ser cinismo. Quem não assistiu na manha seguinte ao cataclisma que assolou o Rio de Janeiro, ao vivo no programa da Ana Maria Braga, logo após a fala do prefeito da cidade o Governador Cesar Maia fazendo apologia ao PAC (1 ou 2, os senhores escolhem) desprezando as dores das vítimas e os enormes transtornos causados pelo temporal. Foi tão ergaçada a coisa que o repórter pôs sua voz por cima da fala do governador questinando a respeito das articulações em torno da guarda civil mais bombeiros e governo estadual com o municipal, retomando ao assunto primeiro.
Essa situação toda também serve para mostrar, como bem destaca o texto base, que o discursso do RIO 2016 assim com o da Copa do Mundo é falacioso, mas dizer isso é ser repetitivo. É ser chato!
Só discordo com o nobre professor Wellington em um ponto - o de atribuir a permanência dos moradores em áreas de risco a um comportamento de teimosia. Muitas vezes tal fato não se dá unicamente devido a teimosia pura e simplesmente mas, em sua maioria das vezes, por falta de opção mesmo!
Forte abraço a todos e desculpem a extensão do comentário!
Sem mais...vamos em frente...
Dado, nobre irmão. Não se trata de rejeitar os eventos esportivos mas, sim, de discutir as prioridades com a população, ampliando a participação dos cidadãos nas decisões da cidade. O cidadão não pode ser chamado a participar apenas e exclusivamente em épocas de eleição. A democracia representativa deve ser ampliada para os aspectos participativos, plebiscitário e consultivos, conforme defende o jurista Fábio Konder Comparato.
Caro Carlos Almeida, de forma alguma eu concordo com a questão da teimosia, assim como você. Apenas utilizei o recurso da linguagem irônica neste e nos parágrafos anteriores, quando falo do soterramento e da senhora chuva.
Ops! Desculpe então! Foi mal!
Prof. Welington & Blogueiros
Dois aspectos distintos:
- As vidas de pessoas inocentes abreviadas ou dificultadas sobremaneira, por conta dessas catástrofes. Acredito que todos nós temos o mesmo sentimento... por um motivo ou por outro os moradores que ali se encontram, não tem outra opção...
- A hipocresia das autoridades, que, se adotassem medidas preventivas(inclusive na remoção das pessoas, oferecendo-lhes opções de moradia) e a postura de parte da mídia(sensacionalista, principalmente a "toda poderosa global")que, enche seus noticiários em busca da frenética audiência, fazendo "fachada" de utilidade pública.
Aos atingidos, resta a dificil missão de "juntar os cacos" e seguir a vida.
Forte abraço à todos...
PAULOFILÉ55
Por mais que chova, os atingidos na alma são sempre os da periferia, os de baixo, os ninguéns, senhores de nada. É repugnante observar as caras e bocas comovidas dos repórteres de plantão que nos seus noticiários misturam ficção e realidade, simplificando a história ao extremo. Uma grande catástrofe é mostrada para logo depois virem os gols da rodada. Ao invés de um programa que debata o assunto na raiz, um programa de humor para nos fazer rir mas, espera aí, já nos esquecemos que minutos atrás estávamos comovidos, chorosos com uma certa matéria...do que mesmo? Esqueçemos. Tudo se mistura nos noticiários de plantão para que tudo parece igual a coisa alguma. A artificialidade impera e tudo parece ser neutro, alheio a mecanismos regulatórios, de controle. A culpa mesmo é do acaso da natureza ou do descaso das autoridades. A política mesmo, como construção da pólis fica então silenciada no tonante boa noite de um William Bonner, e todos nós, brasileiros, respondemos, já sonolentos: BOA NOITE.
Well.... concordando com você e dizendo que o DADO que subscreve acima não é o Dadinho da Bahia não.
Podem existir dois ou mais dados, mas somente um Dadinho da Bahia. Abraços, irmão. Obrigado pela visita.
Depois que a desgraça ocorre é que aparece os políticos propagando a liberação de verbas e mais verbas. Por que tais verbas não são usadas para evitar tais tragédias? Por que os recursos financeiros não são empregados antes do caos?
Uma coisa tenho certeza: o dinheiro que será desperdiçado ( não tenho outro nome ) na realização dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo terá um custo que não tem preço: o custo de vidas humanas.
Kuat
Pois é, Kuat, concordo com você em gênero, número e grau. Atualmente há um acréscimo de 728 milhões de reais, um acréscimo de 19,2% em relação ao orçameto inicial. Estamos apenas no começo, imagina isso até o final?
Nós, moradores de favelas de Niterói, fomos duramente atingidos por uma tragédia de grandes dimensões. Essa tragédia, mais do que resultado das chuvas, foi causada pela omissão do poder público. A prefeitura de Niterói investe em obras milionárias para enfeitar a cidade e não faz as obras de infra-estrutura que poderiam salvar vidas. As comunidades de Niterói estão abandonadas à sua própria sorte.
Enquanto isso, com a conivência do poder público, a especulação imobiliária depreda o meio ambiente, ocupa o solo urbano de modo desordenado e submete toda a população à sua ganância. Quando ainda escavamos a terra com nossas mãos para retirarmos os corpos das dezenas de mortos nos deslizamentos, ouvimos o prefeito Jorge Roberto Silveira, o secretário de obras Mocarzel, o governador Sérgio Cabral e o presidente Lula colocarem em nossas costas a culpa pela tragédia. Estamos indignados, revoltados e recusamos essa culpa.
Nossa dor está sendo usada para legitimar os projetos de remoção e retirar o nosso direito à cidade.
Nós, favelados, somos parte da cidade e a construímos com nossas mãos e nosso suor. Não podemos ser culpados por sofrermos com décadas de abandono, por sermos vítimas da brutal desigualdade social brasileira e de um modelo urbano excludente. Os que nos culpam, justamente no momento em que mais precisamos de apoio e solidariedade, jamais souberam o que é perder sua casa, seus pertences, sua vida e sua história em situações como a que vivemos agora.
Nossa indignação é ainda maior que nossa tristeza e, em respeito à nossa dor, exigimos o retratamento imediato das autoridades públicas. Ao invés de declarações que culpam a chuva ou os mortos, queremos o compromisso com políticas públicas que nos respeitem como cidadãos e seres humanos.
Comitê de Mobilização e Solidariedade das Favelas de Niterói Associação de Moradores do Morro do Estado Associação de Moradores do Morro da Chácara Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFUNK) Movimento Direito pra Quem Coletivo do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares
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