segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Doping: um problema de saúde pública

A questão do doping sempre gera muita polêmica. Os motivos são vários. Mas creio que o principal ainda é o fato de nós, simples mortais, acreditarmos que o esporte é um fenômeno que transcende e se distingui da base material de onde se erguem as nossas relações sociais.

Quando este mundo é "invadido" por algum acontecimento que fere sua áurea, pronto, ficamos todos praquejando contra àqueles que querem sujar, dessacralizar um ambiente tão limpo, que tem a graça dos deuses do Olimpo. Nós esquecemos de que o fenômeno esportivo é produto e processo das relações sociais complexas e contraditórias que se desenvolvem sobre um determinado modo de vida. No nosso caso, o capitalista, um modo de produção a serviço do lucro onde todas as coisas sólidas se desmancham no ar.

Nesse sentido, o doping não se configura uma excrescência do chamado "mundo do esporte" como pensam alguns, ele é parte necessária ao metabolismo do mesmo e se nós ainda acreditamos no mundo asséptico do esporte, é porque nos negaram (e continuam nos negando), historicamente, as ferramentas necessárias para a compreensão do fenômeno esportivo na sua radicalidade.

Nesse sentido, antes que me chamem de apocalíptico, dizer isso requer também a afirmação de que o esporte e o ato do doping não se resume tão somente a prática que vise a performance atlética, o rendimento físico acima de qualquer fundamento ético. A forma histórica dominante do esporte moderno e das formas de doping atualmente existentes, que se constitui como uma força alienadora das relações humanas sob o capital, não é determinação a ele (o esporte) intrínseca, mas é a característica de como ele dominantemente é produzido e apropriado social e historicamente sob esse sistema do capital, atingindo a todos, indistintamente.

Por que digo isso?

Simplesmente porque o ato de se dopar já se configura como fato concreto nos diferentes ambientes de reprodução social e nos diferentes sujeitos, não se resumindo ao esporte de rendimento nem tampouco, aos seus atletas. O Instituto Adolfo Lutz detectou, em pesquisa realizada com 111 produtos caracterizados como suplementos alimentares, livremente vendidos em academias de ginástica/musculação, que aproximadamente 25% dos suplementos continham esteróides anabolizantes não declarados em suas fórmulas.

Já existem estudos que identificam a utilização de recursos para melhoria da performance física em colegiais atletas e não atletas, em funcionários públicos dos mais diferentes escalões, em motoristas de ônibus e caminhões, em profissionais de saúde de diferentes níveis e formação, em professores da educação infantil ao ensino superior, etc, etc, etc.

Tudo isso nos leva a acreditar que o doping se constitui hoje como um problema de saúde pública que deve ser combatido na medida direta em que devemos combater o modelo estrutural atualmente existente em que baseamos nossa forma de produção e reprodução da vida.

Parodiando o velho e dinossáurico barbudo de Trier, destruir as formas ilusórias do esporte de rendimento, é destruir uma sociedade que precisa desta dimensão esportiva para existir.

28 comentários:

Rosa Maria Leiro disse...

Olá Welington

Acredite, com o "ritmo intenso" de "trabalho", estudos e compromissos de família, havia visitado alguns sites indicados por você, mas ainda não o blog.

Estou no Esporte em Rede agora pela manhã e logo que acessei achei-o bonito, elegante e, claro, com os conteúdos bastante inteligentes, atuais e instigantes! Parabéns!!!

Lendo todas as mais recentes postagens, e depois de ter votado ingenuamente (calcada no sonho de termos de novo olímpiadas humanas, como até 1972 no México), deparo-me com o depoimento da Ana Mesquista e fico ainda mais encantada e entusiamada! Sei um tanto da história de Ana, pelo depoimento dela no livro "A Semente da Vitória" do professor de Educação Física Nuno Cobra, autor que me interessa bastante e que me parece que está bem distante das faculdades de Educação Física.

Foi dele que ouvi numa entrevista que "as crianças não estão sendo educadas para serem felizes e sim para 'o capital'" e lembrei das suas aulas. O professor Nuno Cobra foi proibido de dar aulas na USP nas décadas de 1960 e 1970, por ver a Educação Física e o "trabalho" com o corpo como um caminho de autoconhecimento, de fortalecimento da autenticidade de cada um e não do corpo pelo corpo. O que interpreto como sermos mais fortes e autênticos para as transformações sociais também.

Creio que ele começou a ser valorizado "socialmente" após as seguidas vitórias de Senna na Fórmula1 e de outros famosos, pois estavam sendo treinados por ele.

O livro "A Semente da Vitória" está sujeito a ser interpretado como mais um "livro de auto-ajuda" mas não é. Ele fala em "Deus", sente "Deus", mas também tem bastante consciência da realidade histórica em que vivemos. Além disso, tem preciosidades psicológicas e técnicas também (tenho praticado atividade física inpirada na sua filosofia e técnica, de uma riqueza que jamais encontrei nos meus professores de Educação Física na escola, nem nos instrutores de um clube de corrida do qual participei em Salvador).

Mais uma vez, parabéns pelo blog!!!

Abraço fraterno

Welington Silva disse...

Obrigado pelas palavras e pela participação Rosa. Espero que apareça mais vezes por aqui.

Miguel Mário disse...

Acaba de passar no jornal hoje uma matéria sobre uso de anabolizante. O tema realmente é sempre muito atual e acho que seja realmente um problema de saúde pública. Não pensava assim não, mas depois da leiura do texto aqui, é isso mesmo. É uma pena que tenhamos tantos professores formados que ajudam a divulgar isso aí. Será que as instituições de formação, junto com as empresas, atletas e técnicos não deveriam ser responsabilizadas também? Sei que é polêmico isso, mas é algo para se pensar.

Welington Silva disse...

Valeu pelo comentário Miguel. Uma coisa que também precisamos pensar e que não observei no texto diz respeito ao uso do doping também pelos países do leste europeu. Ou seja, o uso dessas substâncias no esporte não é exclusividade dos países capitalistas.

Anônimo disse...

Tem um professor na academia em que malho que a cada semana tá cada vez mais forte e ele insiset em dizer que é só treino. Já pedir várias vezes para ele me passar o treino dele e nada. Ele usa ou não anabolizante?

Welington Silva disse...

Anônimo. Fica difícil afirmar que o professor usa anabolizante. Tem um livro muito interessante sobre isso chamado O COMPLEXO DE ADÔNIS: a obsessão masculina pelo corpo. É um livro escrito por três (salvo engano) autores norte-americanos que investigam a mudança corporal, inclusive se utilizando de estudos com os bonecos. Tem um interessante sobre Hulk e o Falcon (lá se vai muito tempo) demonstrando como os mesmos foram alterados em termos musculares para se adaptarem a essa nova morfologia corporal. Aliás, um dia desses, assistir com o meu filho de sete anos um seriado do Batman antigo. Ele logo disse: papai, esse batman é bem fraquinho, né? E realmente, comparado com o batman de hoje, o do meu tempo era raquítico. Por fim, a tese central do livro é que existe, em relação as fibras musculares, um determinado nível de ganho de volume com treinamento natural. Passando de determinadas medidas, o aumento só ocorre por recursos ergogênicos.

Elson disse...

Olá todas e todos!!
Na mesma linha da postagem antiga, em nome de se pensar a essência do problema, indico o documentário "Musculos ao extremo". Existe, assim como o exemplo de Wellington, um médico/pesquisador que avalia a evolução do conceito de "corpo perfeito", analisa a vigorexia e usa o exemplo da Barbie e do Luke Skywalker.
ABRAÇOS

Welington disse...

Obrigado pela dica, Elson

Welington Silva disse...

Na linha das indicações de referências para pensar a relação Doping e/ou Esporte, sugiro a leitura do livro COMO ELES ROUBARAM O JOGO: segredos dos subterrâneos da FIFA, de David A. Yallop, editora Record e OS SENHORES DOS ANÉIS, de Vyv Simson e Andrew Jennings, da Editora Best Seller.

Unknown disse...

A cada leitura dos seus artigos e os depoimentos prestados pelos colaboradores, vou internalizando cultura e mais cultura, além de montar um acervo bibliográfico interessante.

Parabéns mais uma vez Wellington.... Sucessos!

Welington disse...

Valeu Dado. Muito bom te "ver" por aqui nos comentários. Em breve estaremos tomando umas na "orla" de Itabuna. Avisa ao pessoal de Serra Pelada que estou chegando

Anônimo disse...

Fugindo totalmente do assunto em pauta, por sinal muito interessante, pois mostra que nem sempre quem pratica algum tipo de esporte, pratica também saúde, inclusive, acho que o Professor Welington deveria falar mais sobre a utilização de recursos para a melhoria da performance física em pessoas que não são atletas, como professores(!!!!!!!), motoristas (será que o tal do arribite - acho que o nome é esse - é doping?) e outros profissionais, mas, fugindo totalmente do assunto, gostaria de perguntar: Itabuna tem "orla", não seria Ilhéus?


Larissa

Welington disse...

rsrsrs....Oi, Larissa. Realmente o tema sobre a utilização de alguma coisa para deixar a gente "ligado" no nosso cotidiano alienado é um assunto muito interessante. Voltarei ao mesmo no momento oportuno. Aliás, quem quiser escrever algo pode enviar. Se tiver dentro da linha editorial do blog, eu publico. Sobre a "orla" (por isso coloquei entre-aspas) é um espaço no Beira-rio, logo na entrada a direita do bairro da mangabinha, antes de pegar a ponte para o São Caetano onde sempre tomo uma cervejinha com o meu irmão Dado e algums elementos raros, "pedra 90" que se encontram praticamente todas as noites no pequeno e acolhedor bar SERRA PELADA. Isso quando estou em Itabuna, evidentemente. Abraços

Rita Sampaio disse...

Valeu colega!

Anônimo disse...

rsrsrsrsrsrsr Entendi, Itabuna tem rio, então, vocês resolveram ter uma praia como Ilhéus e inventaram a "orla fluvial" e para completar o "kit", tem também a Serra Pelada para tomar a "loura gelada", que é melhor do que se entupir de doping. Muito bem, Professor, espero um dia conhecer esses lugares tão "culturais", inclusive Mangabinha e São Caetano rsrsrsrsrsrsrsrs. Larissa

Welington disse...

Já tá convidada

Elson disse...

Mais uma dica:
a revista Isto é, desta semana publicou uma matéria sobre doping que mostra quantos atletas Brasileiros ja foram pegos este ano. Só do atletismo parace que já foram 10. Parace que tem até pára-atletas.
Fiquemos alertas a qual a essência do problema (ja bem colocada aqui no Blog).
Abraços e me convidem também para a "orla". Kkkkkkk

Welington disse...

Obrigado pela dica Elson. Sinta-se convidado para a "orla" itabunense tb. Vamos invadir a "orla" do Beira-rio. Uma pergunta provocativa, amigo: o seu "Parece que tem até pára-atletas" denota uma surpresa? Vc acha que os pára-atletas estão imune a necessidade do doping?

Elson disse...

De forma alguma...ate ja falei isso em sala. Só que antes eu não tinha uma informação precisa..desta vez tenho.
O que mais uma vez reforça a idéia de que o centro do problema está na busca intensa por melhores resultados na sociedade funcionalista do Capitalismo...seja na escola, no trabalho, no esporte no 'pára esporte" etc etc.
Abraços

Welington Silva disse...

Só para prosseguirmos no debate e ampliá-lo. Imagino que o CENTRO do problema não está "na busca intensa por melhores resultados na sociedade" do capital. Isso é um reflexo do problema central que é a acumulação privada do modo de produção da vida. Marx, nos manuscritos econômicos-filosóficos (MANUSCRITOS DE PARIS) procura desenvolver uma reflexão na busca da essência humana, natureza humana, realidade humana entre outras denominações e do trabalho alienado. A resposta de Marx é que "o conteúdo da essência humana reside no trabalho (...) o ser do homem, a sua existência, não é dada pela natureza, mas é produzida pelos próprios homens. (...). E esse ato de agir sobre a natureza transformando-a é o que se chama trabalho". Aqui o trabalho como algo negativo, como trabalho alienado. "Assim, a essência humana só se manifesta como essência alienada, isto é, negada nas relações reais que os homens mantêm com os produtos de sua atividade, com sua própria atividade e com os outros homens"(saviani,p. 28 no livro organizado por Newton Duarte - crítica ao fetichismo da individualidade, autores associados). Entramos numa seara boa, mas movediça, que é o conceito de alienação. Nesse espaço não dá para debater isso. Mas fica uma pergunta. Seria o ato de se dopar, um ato de alienação?

Anônimo disse...

Pois bem, eu tô bege com a questão do doping no meio esportivo, na minha falta de leitrura e re- flexão sobre o assunto, pensava que o mesmo era raridade no esporte, mas percebo que não é uma prática tão incomum. Também nunca refleti sobre o mesmo, fazendo relação com o modelo estrutural da nossa sociedade, portanto, quero dizer que a forma como o assunto está sendo abordado no blog, permite um olhar diferenciado sobre a questão, mostrando que não adianta combater o doping sem analisar o porquê da sua utilidade cada vez crescente em nosso país e em outros países.
Também quero salientar que mesmo sendo "Papa Jaca", não tinha conhecimento da Serra Pelada, mas quero reforçar que Itabuna é a única cidade que mesmo sem mar, tem "orla".

ANÔNIMA

Miguel Mário disse...

Pois é. Essa é uma característica muito boa, que não vejo em outros blogs do gênero. Os comentários dão prosseguimento ao debate e até colocam outras questões, permitindo que a gente passe a compreender com uma outra lógica aquilo que pensávamos que sabiamos. Muito bom mesmo. Quanto a Itabuna ter "orla", isso só podia vir dos "papa-jacas" que gostariam mesmo era de comer caranguejo e não podem...rsrsrs...brincadeirinha, hem, pessoal!!!

Anônimo disse...

Miguel Mário só pode ser de Ilhéus rsrsrsrsrsr. Bem, o blog de Welington é "incomum", portanto, permite jaca com caranguejo sem causar indigestão, então, espero que Miguel Mário continue participando, inclusive tá convidado para comer caranguejo em nossa "orla" rsrssrsrsrsrsrsrsr.


ANÔNIMA

Elson disse...

Olá!!!
Me ousarei a dialogar (não responder) a indagação de Wellington acima: "Seria o ato de se dopar, um ato de alienação?"
Pois bem, antes de falar do doping, falarei da própria Cultura Corporal ( e do esporte enquanto elemento específico). "Usando", também, Saviani coloco a C. Corporal naquilo que ele vai chamar de produção humana onde o produto final não se separa do produtor no momento do consumo (Pedagoga histórico Critica: primeiras aproximações, p.15). Ou seja, ao mesmo tempo em que vivo/produzo C. Corporal eu consumo este produto (e as produções em paralelo: ludicidade, alegria etc).
Porém (e isso será tema de uma produção científica) na contemporaneidade, com a espetacularização do movimento humano, penso que a C. Corporal "sofre" de uma ambiguidade. Ou seja, ela se mantém enquanto produção não material (produto não se separa do produtor no consumo), mas se enquadra também na via em que o produto final se separa do produtor no momento do consumo. Como assim? Pensemos o atleta de rendimento (to chegando no doping); este ao viver/produzir C. Corporal, ao mesmo temo que a consome, existe uma separação deste produto (mídia, empresário...) a ser negociada e consumida por outros (espectadores e telespectadores). Esta divisão produz muito mais do que este atleta ganha (que configura alienação econômica de acordo Chauí).
Para manter esta relação e se manter no meio, os atletas (alienados do produto final) se dopam.
Enfim... assim como Wellington, penso que a discussão sobre alienação demanda vários estudos, o que fiz aqui foi colocá-la no centro da discussão de uma prática alienada/alienante: O da C. Corporal na contemporaneidade (sem esquecer da ambiguidade.)
Repito, isto será mais bem destrinchado na produção que prometi.
Abraços e obrigado Wellington por, em pleno sábado, 20:15 da noite, me fazer pensar profundamente (e pior!! ainda posso estar errado).

Welington Silva disse...

Elson. Eu é que agradeço a sua participação sempre efetiva e rica. Nos fazendo pensar, enriquecendo o debate e ampliando o mesmo. Eu e todos os que participam deste espaço, frequentemente ou esporadicamente, escrevendo ou simplesmente lendo, devem sentir o mesmo. Você, Larissa, Marcelo Russo, Cláudio Lira, Andréia, Anônimos e Anônimas, papa-jacas, papa-caranguejos, irmãos corujas, colegas e amigos de profissão, desafetos e muitos afetos é que fazem este blog ser o que ele é: um humilde espaço de reflexão, diálogo que quer servir de ponto de apoio para ações mais ousadas, práticas transformadoras da realidade que nos circula. Sabemos perfeitamente que não é mudando as idéias que mudamos a realidade. Entre o ser e a consciência, a primazia é do ser, nos ensina Lukács. Primazia, o que não significa "o mais importante". Tenho recebidos inúmeros depoimentos sobre o blog, os textos e o quanto eles tem ajudado a mudar o ponto de vista sobre esta rica dimensão do humano. Professores que tem usado os mesmos em suas aulas nas escolas e nas universidade. No melhor sentido, isso me envaidece e tenho certeza, envaidece à todos que querem, que desejam mas acima de tudo lutam concretamente, no dia a dia por um outro projeto histórico de sociedade. É um passo de formiguinha. Como nos diz o poeta, "o caminho se faz ao caminhar..." e é muito bom quando neste caminhar temos a "presença" de pessoas como vocês e tantos outros. Hoje, no festival de ginástica na escola Hildete Lomanto, sentimos na prática as possibilidades de uma outra educação física, que não se resume ao esporte e, muito menos, ao de rendimento. Isso também nos faz pensar profundamente sobre as possibilidades de um mundo onde todos possam vivenciar formas de expressão corporal das mais diversas.

Anônimo disse...

Duvido que você esteja errado, Professor Elson, mas se estiver, qual o problema? Eu me ouso a participar do blog do Professor Welington por saber que o erro aqui vai ser encarado como parte do processo de quem pensa/reflete, enfim, dialoga, colocando-se como professor e como aprendiz.


ANÔNIMA

Elson disse...

Valeu "ANÔNIMA" e Wellington! VOcês tem toda razão!!
Abraços

Marivaldo disse...

muito interessante, essa questão é sempre polêmica, acho que as competições incentiva o uso dessas substancias.