domingo, 18 de outubro de 2009

Jogos 2016: por um Brasil sem fome!

Com o título “Você tem fome de quê?”, trouxemos no dia 19 de junho de 2009 uma reflexão que buscava comparar a compra dos jogadores Cristiano Ronaldo e Kaká que juntos custaram 160 milhões de euros para o Real Madrid com uma notícia presente no relatório da Organização das Nações Unidas sobre a fome e que relatava que este ano superaríamos a barreira de um bilhão de famintos no mundo.

Além da postagem, fizemos também uma enquete com os nossos leitores, perguntando se eles consideravam a compra dos jogadores, diante da realidade da fome mundial, um aspecto imoral ou normal. 78% disseram que era uma imoralidade (26 votos) e 21% acharam normal, coisa do futebol moderno (7 votos).

Como o futebol moderno é jogado no interior do metabolismo sócio-histórico do capital, ele se apresenta junto com as contradições do mesmo. Só a compra do Cristiano Ronaldo por 96 milhões de euros alimentaria mais de 8 milhões de etíopes. Somados ao valor da compra de Kaká, 64 milhões de euros, totalizaríamos a "bagatela" de 160 milhões de euros, quantia esta que amenizaria, e muito, a condição dos 18 milhões de brasileiros famintos.

Vejam vocês o seguinte. Tomando os valores do euro em junho deste ano, 93 milhões de euros equivalia cerca de 257 milhões de reais. Com 257 milhões de reais eu alimentaria e ainda sobraria dinheiro, mais de 8 milhões dos brasileiros famintos.

Quanto vai custa mesmo os Jogos Olímpicos? 38 bilhões de reais (perspectiva até 2016, podendo ser mais, muito mais e olha que não estou mencionando nem o dinheiro que será gasto para a Copa do Mundo de 2014). É muito, mas muito dinheiro mesmo para um Estado que até bem pouco tempo, fazia o discurso neoliberal de que não tinha dinheiro para a saúde, educação, habitação, segurança (e ainda o faz) e sob esse argumento justificou todo o tipo de privatização, colocando como mercadoria ítens essenciais - como alimentação - da existência digna de qualquer ser humano.



Mas alguns dirão que agora é torcer para tudo dar certo, tornar os Jogos viáveis deve ser o esforço de todo patriota, de todo brasileiro que ama o seu país, que tá de bem com a vida e que não desisti nunca! Esses discursos pessimistas, "a la contra" é coisa de gente revoltada, frustrada com a vida e que não tem o que fazer.

Então, deixa eu sair de cena um pouquinho e dá voz a uma atleta, a alguém que conhece por dentro o fenômeno esportivo.

Depois do anúncio da escolha do Rio de Janeiro como sede para os Jogos Olímpicos de 2016, nosso emocionado presidente declarou: a meta agora é transformar o Brasil em potência olímpica.

Está cheio de gente questionando a viabilidade dessa meta. Por enquanto não vi ninguém questionar a validade dela. Eu quase acho o projeto mais viável do que válido.

A China foi a primeira no quadro de medalhas de Pequim 2008. IDH: 92º. O Quênia (147º no IDH) ficou em 15º lugar nas olimpíadas. À frente da Noruega, que foi 21ª no quadro de medalhas e tem o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano, segundo a ONU.

É possível tornar-se potência olímpica sem melhorar a distribuição de renda, a educação e a saúde pública. O destaque esportivo também pode prescindir da democracia, da liberdade de expressão e da liberdade de escolha.

Ganhar uma baciada de medalhas olímpicas pode encher um povo de emoção e orgulho patriótico, mas não faz um país melhor.

Como brasileira, ex-atleta e apaixonada por esporte, (...) Quero ver o Brasil no alto do pódio olímpico muitas vezes, mas como consequência da melhora de todos os nossos indicadores sociais.

(...)

Quando todas as nossas crianças frequentarem boas escolas, forem bem alimentadas e tiverem oportunidade de participar de bons programas de iniciação esportiva em locais com estrutura adequada, sob orientação de bons profissionais, teremos boas chances de nos tornarmos uma potência esportiva. Se forjarem em nós o destaque olímpico que desejam sem que tenhamos nada disso, nem quero pensar em como o farão.
"

Pois é. Palavras de Ana Mesquita, autora do livro “A travessura do Canal da Mancha” e recordista latino-americana da travessia do Canal da Mancha.

9 comentários:

Marcel disse...

Li um comentário seu no Observatório da Imprensa e aproveitei o link que deixaste para o seu blog para fazer uma visita e ler o texto que você mencionava. Muito bom. Parabéns! Fome e esporte olímpico realmente não combinam.

Cleber disse...

Olá Wellington. Permita discordar de algumas coisas. Nesse mesmo relatório da ONU que fala de 1 bilhão de famintos, menciona o Brasil em 1º no combate a fome (maior redução do número de famintos). Quanto as olimpíadas, vejo como um investimento na economia do país (e porque não na moral). Não existiria fome se tivessemos uma melhor distribuição de renda (empregos decentes para a maioria). Dinheiro e comida não nos falta. Falta é inserir esses milhões na sociedade. Se o bolsa família é chamado de bolsa-esmola, por distribuir R$9 bi todo ano para os sitados famintos e os quasi-famintos, que diriam os grupos de mídia que estão ávidos pelos rios de dinheiro que irão chegar por aqui além destes R$36 bi, caso a decisão fosse de aumentar o bolsa-esmola? Uma parte desses investimentos (público, privado e estrangeiro) irá chegar aos mais pobres também e é isso que me interessa. Não fosse assim, EUA, Japão e Espanha não iriam perder tempo para sediar os jogos, principalmente agora que todos estão com a corda no pescoço (quedas de 10% ou mais no PIB).
Vamos fazer uma limonada com esses limões e aproveitar da melhor forma esse evento.

Welington disse...

Olá, Cleber. Obrigado pelo comentário. Duas coisas. A primeira é que o combate a fome é parte do programa de manutenção estrutural do sistema. O Estado moderno aprendeu há muito tempo, que não se impõe a hegemonia apenas e exclusivamente pela força mas, também, pelo consenso. Para isso, ele precisa ir cedendo alguns anéis para não perder o dedo. Mas observe. Os famintos, mesmo com o combate vão se reproduzindo. Vários são os programas e entra ano, sai ano, a fome no planeta aumenta. Josué de Castro, a 63 anos atrás com o seu livro Geografia da fome, já dizia que a concentração de terra na mão de poucas pessoas é o principal motivo da fome.
A outra coisa diz respeito as olimpíadas como investimento na economia do país. E é. Você tem razão. Mas este investimento é para a reprodução do capital, que tem hoje na América Latina, o seu principal filão. Esse foi o principal motivo (não o único, ok?) da vitória brasileira e o Brasil é a principal porta de entrada do sul do equador, amigo. Sabe porque Tóquio não foi a escolhida? Se você ouviu atentamente os comentários dos jornalistas, teve um que largou uma pérola para nossa análise. Ele disse taxativamene que Tóquio não seria a escolhida em função de não ser rentável para as redes de televisão transmitirem os jogos na madrugada. E todos nós sabemos da relação orgânica entre os meios de comunicação de massa e o esporte de rendimento. Um não vive sem o outro.
Por enquanto é só. A resposta já á longa demais. Obrigado pela participação e sigamos no debate.

Anônimo disse...

Nos posicionamos contra as Olimpíadas no Brasil por termos clareza que nossas prioridades são outras como por exemplo "comida no prato e não medalhas no peito" ( fala do Prof. Elson ). Mas a realidade é que o evento esportivo acontecerá e coerente com a concepção do blog de Welington que é "refletir sobre o esporte para além das fronteiras táticas e técnicas que sempre caracterizaram os comentários esportivos", vamos nos posicionar no "jogo" de acordo com o "esquema tático" do Prof. Elson Moura:
1- Não permitir, em hipótese alguma, que a Educação Física se legitime por conta de sua missão de ser base para formação de atleta. Não é esta sua função.
2- Que sejamos vigilantes contra ações "Nazi-fascistas", genocidas em busca de "pacificar" o Rio. Eles já deram uma mostra do que fazem. Quando a delegação do COI, no Rio esteve, eles derrubaram barracas de camelôs para mostrar um Rio mais "bonito".
3- Estejamos vigilantes para que não falte 1 centavo sequer no já escasso repasse público por conta das Olimpíadas.
4- Que esclareçamos nosso pares, amigos, alunos etc. sobre os interesses tácitos destes jogos.
5- Que apontemos que nem só de bons valores vive esta dimensão do esporte. Nelsinho Piquet que o diga (pegando como referência o que alguns chamam de esporte a motor).
6- Que exijamos o Legado prometido
7- Que aproveitemos mudanças estruturais dos espaços de prática esportiva caso isto aconteça.
8-...
9-...
...- Que pensemos e façamos uma nova sociedade, um novo projeto que exigirá, pelo simples fato de ter o ser humano e não o dinheiro como centro, de um novo esporte, uma nova escola, uma nova família, uma nova EF etc etc etc.
Enfim... o tema não se esgota...como diz no dito popular, " ainda tem muito pano pra manga".


ANÔNIMA ( Itabuna - Bahia )

Anônimo disse...

Só para reforçar o que a Anônima comentou: estamos abertos para outros esquemas de jogo, contanto, que sigam a tática do Prof. Elson: vigilância, cobrança, divulgação, exigência, enfim, jogar sem perder a crença que podemos reverter o que está posto e colocar em campo "um novo projeto que exigirá, pelo simples fato de ter o ser humano e não o dinheiro como centro, de um novo esporte, uma nova escola, uma nova família, uma nova Educação Física, etc, etc.


Larissa

Airton Leite de Moraes disse...

Olá, Welligton,
aceitei seu convite. Fico
Feliz que exista mais gente que vai
além do simples jogo jogado, ou da claque orquestrada, neste circo de perpetuação de poder que se transformou o que seria supor, fosse o Esporte brasileiro.Parabéns!
Abraços,

Welington disse...

Cléber, Anônima da minha querida terra grapiúna, onde tenho raízes profundas e Larissa.

CLEBER - Continuando o diálogo. No seu comentário você diz que uma parte do investimento realizado para os Jogos 2016 irá chegar para os mais pobres e justifica isso citando os interesses dos EUA, Japão e Espanha, países que estão com a "corda no pescoço". Acabo de ler uma nota na Carta Capital número 567 que nos ajuda a pensar a questão. Na página 42, tem um box intitulado Inspiações para o Rio situando um exemplo (BARCELONA, 1992) e um contraexemplo (ATENAS, 2004). Em relação a Barcelona, que é o que nos interessa mais de perto, já que você cita a Espanha, o fator motivador para buscar sediar os jogos de 1992 foi justamente o processo de "estagnação, com altos níveis de desemprego". O fato dos países citados por você estarem em crise não é fator impeditivo, pelo contrário, pois os investimentos dão um retorno concreto ao país que sedia. Não desconheço isso, a questão é a nossa redistribuição de renda histórica que não ocorre. Temos uma elite mesquinha, egoísta. A revista também nos informa que estudos econômicos prevê ganhos de 49 bilhões de reais ao país antes e após a realização do evento. Isso é ótimo!!! Mas soa o alerta da velha máxima do crescer o bolo para depois dividir.

ANÔNIMA E LARISSA - Muito obrigado pela participação de vocês de forma regular. A ideia é que a postagem permita que a gente continue o diálogo aqui nos comentário e vocês, junto com outros que eventualmente colaboram, como é o caso do amigo e professor Elson, oportunizam isso. Obrigado por tornarem essa ideia algo concreto. Espero que isso nos ajude a organizar as táticas e as estratégias necessária na ação cotidiana nos nossos espaços de trabalho e luta.

RafaelMota disse...

Olá Gente, o que tenho a pontuar é o seguinte a preparação do território para as Olimpíadas do Rio 2016 já começou, primeiro com o estopim provocado pelo helicóptero que caiu na semana passada no Rio, que já traz como conseqüência a morte de 39 pessoas (33 traficantes, 3 policiais e 3 INOCENTES) como divulga a mídia, pórem creio num numero bem maior, e segundo com as reportagens feitas pela midia televisiva apontando os possíveis atletas que poderão representar o Brasil em 2016, isso me faz refletir sobre a história da Educação Física que por muito tempo vem trazendo a discussão da não reprodução do esporte no ambiente escolar e que em decorrência do Brasil se torna sede da Olím"piada" teremos que nos tornar os verdadeiros caça-talentos nas aulas de educação física escolar e ai deixo o seguinte questionamento: Qual será o verdadeiro papel da Educação Física, a partir de hoje, educar e formar um cidadão com valores éticos e sociais ou simplesmente busca atletas para o mundo hegemônico do esporte?

Raphael Martiniano disse...

Realmente a questão da fome assola o mundo inteiro. Mas acho que a questão da fome é apenas uma das que o Brasil tinha que priorizar. Esse tal de "Fome 0" só motra o placar dos desnutridos que perdem para os políticos desse País. Muito boa a postagem!