"(...) quando eu era criança nós jogávamos futebol de pés no chão e de bola dente de leite, calçávamos chuteiras para jogar nos clubes profissionais. Atualmente todo babinha é feito de adidas ou nike. Somos os consumidores deste mundo que criticamos e estamos cada vez mais trabalhando ainda mais para termos maior poder de consumo. Me vejo em um beco sem saída, se não consumo sou excluído e se consumo sou capitalista selvagem. Qual a saída?".
Eis a pergunta que nos faz o professor Marcelo Trotte no seu comentário da nossa matéria ESPORTE, MERO DETALHE DO BUSINESS. Conhecedor do mundo esportivo, mais precisamente do futebol, já que o mesmo foi preparador físico de alguns times do Estado da Bahia e que tem em seu currículo profissional a participação na preparação física da divisão de base do chamado tricolor de aço, Trotte, como é mais conhecido pelos colegas, antes de lançar a instigante questão, faz uma reflexão rápida de como o mundo do esporte era vivenciado em sua época, lembrando da sua infância e dos elementos do futebol que faziam parte dela. Pés descalços e bolas dente de leite. Estes, sendo atualmente substituídos por chuteiras e bolas de marca. No caso específico, NIKE e ADIDAS, as duas grandes do setor de material esportivo mundial.
Objetivamente, indo direto na veia, buscando um chute certeiro, eu diria que não. Não nos tornamos um capitalista, nem tampouco, selvagem, pelo simples fato de consumirmos uma determinada mercadoria. Seja ela de que marca for.
No pensamento marxista, capitalista é aquele que detêm os meios de produção da mercadoria. Nós somos, nessa relação, um consumidor. Quando compramos uma mercadoria, o que fazemos é realizar essa mercadoria, ou seja, completar o sistema produtivo. Enquanto a mercadoria não é vendida, ela não se realiza e não completa o sistema de produção e consumo. E é como consumidor que devemos pensar concretamente essa relação.
Em algum lugar Marx nos ensina que “a fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua, servindo-se das mãos, das unhas, dos dentes. Por conseguinte, a produção determina não só o objeto do consumo, mas também o modo de consumo, e não só de forma objetiva, mas também subjetiva. Logo, a produção cria o consumidor", não cria um capitalista, nem tampouco um capitalista selvagem, embora façamos parte da reprodução desta engrenagem complexa e contraditória.
Um dos fatores que nos possibilita comprar hoje uma chuteira nike ou adidas, só para ficar nas duas marcas citadas, é o mesmo que possibilita ter em minha casa, hoje, morangos, maças, pêras e outros produtos alimentícios antes impensável na mesa da minha infância: o avanço e a forma de uso das técnicas e das tecnologias no processo de produção destes alimentos. Não obstante, isso não significa dizer que todos nós temos maças, morangos, pêras nas nossas mesas, nem tampouco, que todos nós temos condições de obter uma chuteira nike ou adidas. Contraditório? Com certeza, pois o capital é contraditório por natureza. Vejamos.
A chuteira da NIKE é produzida em condições sub-humanas no Vietnã, na Indonésia e outros lugares da Ásia, o que possibilita que ela seja vendida no nosso país pela "bagatela" de R$ 99,90 até R$ 349,90 e dependendo da tecnologia inserida na mesma, pode ser muito mais cara. Agora, imagine que para produzir um par de chuteiras a NIKE pague 0,10 cents de dólar a um vietnamita. Esta mesma chuteira é vendida aos preços acima ou mais, a depender do consumidor que se dirigir à loja para comprar o material esportivo. E, então, qual é a saída? A revolução. "O modo capitalista de produção, ao converter mais e mais em proletários a imensa maioria dos indivíduos de cada país, cria a força que, se não quiser perecer, está obrigada a fazer a revolução" (Engels). Esta, por sua vez, pela sua especificidade dinâmica, já se encontra em curso e se apresenta também na pergunta do professor Marcelo Trotte, pois esta nos exige pensar por contradição as possibilidades de comermos com facas, garfos e/ou mãos, unhas e dentes, de jogarmos com bola dente de leite e/ou nike, de chuteira e/ou descalços.
Ser capitalista, ou ser consumidor? Esta não é a questão. Que tal nos transformarmos em produtores associados?
5 comentários:
Acredito amigos, que este fenômeno se torna imperceptível. É como o envelhecimento, a gente não percebe até o fatídico dia em que uma bela moça nos oferece o lugar no ônibus antecedido do pronome de (des)tratamento:"Senhor".
Eu, um cara que paupérrimo como muitos, estava olhando a quantidade de camisas que não cabem mais no guarda-roupa. É só um pequeno exemplo para mostrar que compramos muitas coisas sem necessidade alguma e reduzimos nossa criatividade no campo do lazer, ou seja: lazer só em shopping e lugares similares. O pôr do sol, o caminhar na areia, a conversa descontraída num parque, sem cerveja e gordurosos; a visita a um parente, o caminhar curioso pela cidade, contemplando suas mudanças, se tornou um risco. Cada vez mais o mundo se divide, como afirma o sociólogo Boaventura de S. Santos, em zonas bárbaras e zonas civilizadas. O Estado está ruindo no campo social e o capitalismo invadiu nossa "alma". Em casa, por exemplo,ao invés de discutirmos os problemas de injustiça sobre a sobrecarga de lavar, passar, etc., compramos uma máquina de lavar, um aspirador, uma tv lcd e outras parafernálias e cessamos a reflexão. Tudo está virando mercadoria, algumas vezes até a amizade, o respeito, a consideração. Meu irmão passou hoje na Ferreira Costa. Estava sendo atendido quando chegou um "branco" bem vestido. O vendedor "esqueceu" meu irmão, pois, aparentemente, o outro sinalizava para um poder de compra maior. Mas não se enganem, todos estamos nesse barco. Vou fazer uma pesquisa sobre um fenômeno que estou desconfiando na formação acadêmica dos licenciandos do Campus IV, UNEB: alguns estão fazendo as disciplinas não porque as mesmas contribuem em sua formação profissional, mas para preencher o mais racional e rápido possível o currículo exigido para alcançarem o diploma.
Um abraço a todos: Joselito.
Desconfio que um fenômeno estudado e apresentado pelo psicanalista Charles Melman(não sei se com dois "eles" ou "Emes")pode ser detectado em todos nós: somos o "homem sem gravidade", ou seja: a mulher, o homem, que não está nem aí para futuro, para consequências, para responsabilidade. O que importa é o gozo imediato, pois não existe amanhã. A busca desesperada pelo diploma pode ser um indício. O diploma leva ao trabalho assalariado, o gozo do jovem desempregado. Mas, o diploma representa um conhecimento básico razoável que se requer para o exercício do trabalho? Também se enquandram nessa cateogria alguns colegas professores não estão nem aí para o ensino, para a pesquisa na universidade estadual. O que importa é o trabalho extra para ganhar mais, para comprar mais, para pagar mais. Mas tem esperança. Um professor, Marco Aurélio Luz, publicou um texto no jornal A Tarde deste domingo, 26/04/09: "Entre o Morro e o Asfalto", p. A3, onde relata a escolha de Adriano, o "Imperador": "(...)um jogador de futebol profissional, bem-sucedido, da seleção, jovem e famoso, jogando em Milão na Itália, ganhando milhões, se sente infeliz e interrompe essa trilha de valores da modernidade e volta para suas origens, no morro ou favela carioca onde se sente acolhido e pleno..."
Um novo ser humano precisa nascer. Mas como? Se a escola da vida o aborta em processos deseducativos de realização humana através do consumo? Orbitamos sem gravidade em torno da mercadoria, para onde somos atraídos pelas vitrines de todos os sohopping's.
Um outro abraço.
Meu amigo Joselito.
Muito obrigado pela visita e participação no Blog. O mesmo é mais uma ferramenta, dentre tantas outras, que muitos professores, como você, se utilizam para promover uma reflexão crítica. Procuro fazer o mesmo por aqui, sem nenhuma ilusão idealista de que mudamos o mundo mudando apenas as consciências. É necessário que essas reflexões penetrem nas massas, que promovam ações concretas de mudança no plano cotidiano, onde sofremos todos esses percalços que a sua reflexão traz a tona. Continuemos na luta, pois a mesma é para vencer!!! Obrigado mais uma vez e espero ter você por aqui sempre.
Ainda sobre a pergunta iniciada pelo Prof. Marcelo Trote, queria resgatar uma fala do Prof Mauri de Carvalho quando esteve na UEFS. O mesmo colocou que se quisermos ser 100% coerentes com o que defendemos, acabaremos morrendo de fome. Ou seja, podemos deixar de ter Nike, Adidas etc...mas o bife que eu como no almoço pode ter passado por todo um processo que gera lucro para um empresário a partir da exploração da mão de obra de tantos outros. Sendo assim, o simples fato de consumir ou não uma marca não o faz deslocado, capitalista selvagem ou revolucionario (caso resolva não consumir). Penso que a nossa postura frente à realidade é que vai contar. O que fazemos em nossas ações cotidianas...essas sim devem estar atreladas ao nosso objetivo, ao nosso projeto de sociedade. É certo que quando assumimos uma postura frente à realidade, a forma de consumir acaba sofrendo também um revés. Isso é assim com o menino que joga bola (quer ter a camisa do time de coração), com a pessoa que se torna fã de uma banda (quer ter material da banda) e também o é com quem resolve assumir uma postura contra esta sociedade feia do Capitalismo.
Por fim, pelo que falei acima, penso que não é o que uso ou consumo que deve identificar minha postura frente a realidade..acho que minhas ações é que servem de parâmetro para identificar qual projeto de sociedade defendemos.
Parabésn Welington por mais um Blog referência
É perceptivel essa contradição do capitalismo através das desigualdades socias, que é consequência do próprio capitalismo.Nos envolvemos( ou somos envolvidos) de tal maneira nesse sistema que o fator ' consumir' se tor algo comum na sociedade. Entretanto, acho que o consumo deve ser consciente e coerente com a necessidade de cada um e não por simples modismo. Porque quando é dessa maneira pode-se dizer que a alienação por fim ocorreu.
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