quarta-feira, 7 de junho de 2023

A Sociedade Espetacular

Dando continuidade a nossa reflexão sobre "Capital financeiro e espetáculo: o controle do futebol por corporações mediáticas" (texto inicial aqui).

Parece não nos restar dúvidas que o esporte é uma das principais práticas quando o assunto é entretenimento. As diversas viagens de lazer têm, na prática esportiva, uma das várias motivações. Para alguns, se constituindo como a principal. Há uma verdadeira e promissora indústria do entretenimento que explora basicamente o esporte para o desenvolvimento das suas ações. Falamos sobre isto no mês de abril. Se tiver interesse no tema, acesse aqui o texto.

Para compreender este fenômeno de uma maneira mais ampla, é importante situá-lo no contexto específico da sociedade que o forjou. Para tanto, o capítulo sintetizado até aqui, vai tratar o mesmo com base na reflexão do escritor francê, Guy Debord (1931-1994).

"Em A Sociedade do Espetáculo, o autor desenvolve o conceito de espetáculo como um movimento histórico cujo ápice seria alcançado quando a cultura e a experiência não pudessem ser mais vivenciadas de outro modo que não intermediadas pela relação social capitalista" (p. 215).

Se é verdade que os elementos característico do esporte de rendimento podem ser definidos como competição, rendimento físico-técnico, record, racionalização e cientifização do treinamento, entre outros, não teremos muita dificuldade de verificar que esses mesmos elementos se fazem presentes na dinâmica do modo de produção capitalista.

Podemos verificar como as características da dimensão do rendimento estão presentes no esporte de caráter competitivo, sendo ele mesmo, o caráter hegemônico na sociedade. Muito embora a Constituição Federal apresente as dimensões de participação (lazer) e educação, é a dimensão do rendimento, da performance, que se constitui como hegemônica na prática esportiva.

Essa hegemonia faz com que mesmo no momento de lazer, os elementos do esporte de competição, sejam incorporados, reelaborados e disseminados pela indústria de entretenimento, constituindo este momento como mais um na cadeia de produção de mercadoria para ser comercializada, vendida. E para que isso tenha sucesso garantido, ela precisa ser espetacularizada.

"O espetáculo traduz-se como a visão objetivada do capitalismo, ao ser ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Por meio de suas formas particulares, como a propaganda, a publicidade e o consumo direto de divertimentos, o espetáculo reafirma as escolhas feitas na produção e no consumo que decorrerá dessas escolhas. Trata-se do desenvolvimento sócio-histórico que permitiu às relações produtivas capitalistas adentrarem e comandarem todos os aspectos da vida social." (p. 216).


A expressão do tudo que é sólido se desmancha no ar, foi atualizada. O sagrado, torna-se profano. E tudo bem com isso, desde que atenda aos interesses da dinâmica capitalista.

"Na medida em que o espetáculo se constitui como um mediador, portanto como elemento de separação do ser humano em relação ao ser humano, fazendo da contemplação  e da vivência  vicária o modelo de experimentação do real que atua na criação de necessidades de consumo por meio de publicidade, ele se torna um agente da indústria cultural vinculado à maximização do processo de reprodução do capital." (p. 216)

Após esse raciocínio, Moura (2022) vai nos apresentar três classificações para identificar o que ela chama de "eras da produção cultural" na Europa: o patrocínio e o artesanato; o profissional do mercado e o profissional da corporação. Este, tendo a sua gênese no século XX, especificamente "após a década de 1950." (p. 217).

Será neste século também que o futebol, em sua segunda fase (a primeira será "(...) em meados do século XIX, [associado] aos processos de disciplinamento das massas, adequando-as a regras e horários, e ao fair play, à aceitação individual de perdas e vitórias") surgirá como "prática esportiva e objeto de desejo" promovida pelo "surgimento das indústrias culturais." (p. 217).

A terceira fase do futebol terá como característica dois elementos centrais: será controlado por "grandes corporações midiáticas" e também, em uma relação simbiótica, terá financiamento do capital financeiro.

"A sociedade passa a ser regida pelo tempo da produção econômica em torno do espetáculo futebolístico que a transforma de modo permanente e absoluto. O tempo do espetáculo não se resume ao tempo  do jogo transmitido, ao contrário, engloba o antes, tempo necessário para sua promoção e para o estabelecimento de vínculos com os consumidores; o durante, no qual jogadores e torcidas, meios de comunicação e espectadores, e capitalistas e consumidores se reúnem em torno do espetáculo; e o depois, baseado na modelagem de estilos de vida indispensáveis à produção do capital em sua atual etapa." (p. 219).

A sociedade espetacular, ou melhor seria dizer, o futebol espetacularizado, é a síntese atual do capitalismo mundial. "(...) seu valor de uso, a prática ou mesmo a contemplação esportiva, é apropriado tanto pelos times quanto pelos meios de comunicação para promover seu valor de troca, visando ao aumento dos rendimentos dos acionistas, à multiplicação do capital investido inicialmente e à aceleração do processo de reprodução do capital pelo consumo de imagens." (p. 219-220).

Na nossa próxima postagem sobre o tema, que esperamos seja em breve, continuaremos trazendo as reflexões da autora, agora sobre o tema relacionado aos "Novos regimes de apropriação capitalista".

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