domingo, 2 de abril de 2023

O esporte na Alemanha nazista

Outro aspecto de real importância no nazismo é o esporte. O regime nazista via nos esportes a forma perfeita de provar ao mundo a superioridade física e mental da raça ariana, além de servir como instrumento de propaganda do regime dentro e fora do país. A utilização das práticas esportivas como forma de promoção e propaganda política não é exclusiva do nazismo. Muitos outros regimes políticos fizeram, e ainda fazem, das vitórias no esporte uma forma de propaganda; mas o nazista vai ser um dos primeiros no mundo a fazer isso de maneira sistemática.

Para compreender melhor os motivos pelos quais os nazistas tinham nos esportes um setor-chave da política no Terceiro Reich, é necessário pode ter presente que, na década de 1930, diversas práticas esportivas já mobilizavam multidões. com o crescimento populacional dos centros urbanos, por causa do avanço da revolução industrial, crescia também a necessidade de entretenimento para a classe dos trabalhadores. não por coincidência, a Inglaterra será o país que vai desenvolver a maioria dos manuais de regras de vários esportes, como para as corridas de cavalos (1750), para o golfe (1751), críquete (1788), rúgbi (1846), ciclismo (1868), futebol (1863). Além de possuir, em várias cidades industriais, uma massa de trabalhadores sedenta por entretenimento, os ingleses também tinham a necessidade de levar para suas colônia os esportes como forma de diversão para os exploradores, que ficavam muito tempo distantes de casa. Para isso, era preciso definir com clareza as regras desses jogos. Popularizadas as regras, as grandes massas de trabalhadores aderiram a esses esportes, antes praticados somente pelas elites.

Esportes coletivos, como o futebol e o rúgbi, logo caíram no gosto popular. no caso do futebol, veremos um movimento de aproximação entre esse esporte e as organizações sindicais. não vai tardar para que organizações de trabalhadores fundassem times de futebol entre os operários das fábricas, como foi o caso do Locomotive (Moscou), do Dínamo de Kiev e do Estrela vermelha (Moscou). o crescimento dessa associação, principalmente na União Soviética, vai justificar ainda mais a ideia de controle das práticas esportivas pelo Estado nazista. Nesse sentido, poucos esportes vão cativar mais as massas de trabalhadores do que o futebol. e antes de despertar os olhos do Estado, a cultura do futebol será explorada pelos donos das fábricas como forma de ganhar prestígio junto da classe trabalhadora. sobre isso, o historiador Hilário Franco Jr., ao analisar o papel do futebol em diferentes sociedades, faz o seguinte comentário:

“À medida que o futebol caia no gosto popular, foi se acelerando no mesmo ritmo sua utilização como instrumento político. De início a política informal, com industriais de pequenas cidades inglesas apoiando financeiramente o time de sua fábrica para reforçar seu prestígio pessoal e ganhar o reconhecimento de seus trabalhadores. Depois, cada vez mais a política institucional penetrou no mundo do futebol. E vice-versa. Qualquer que seja o sistema em vigor na sociedade. políticos de todos os matizes perceberam a imensa capacidade que ele tem de mobilizar sentimentos coletivos sejam eles grupais, regionais ou nacionais”.

Essa capacidade de mobilização do futebol será fundamental para organização, por parte do governo fascista de Benito Mussolini, da segunda Copa do Mundo de futebol, em 1934. A Vitória da seleção italiana será amplamente usada como forma de propaganda do fascismo. Falam por si os bilhetes enviados aos jogadores por Mussolini, no intervalo dos jogos, com os dizeres: “vitória ou morte”. No regime nazista, o futebol, assim como outras práticas esportivas, tinham de seguir as ordens do D.R.A (Deutscher Reichsausschuss für Leibesüngen) - Comitê de Educação Física do Reich) para poder continuar suas atividades. Em outras palavras, deviam cumprir à risca às ordens do Reich, o que significava retirar de seus quadros atletas ou dirigentes de origem 

judaica ou vinculados ao Partido comunista. Por causa disso, diversas associações esportivas deixaram de existir. Para se ter uma ideia do nível de controle governamental sobre essas associações, caso um jogador quisesse ingressar num dos clubes da D.F. B (Deutscher Fussball-Bund), exigia-se dele um atestado de ancestralidade provando que não tinha nenhum antepassado semita.

Mesmo com esse histórico de perseguição, podemos dizer que o futebol, assim como diversas outras práticas esportivas, tiveram grande investimento por parte do governo nazista. O jogo coletivo, e até certo ponto também o individual, era encarado pelo nazismo como um simulacro de uma guerra. São dois lados, ou seja, dois territórios, com dois exércitos, usando uniformes e demais adereços para aquela prática, disputando algo cobiçado por ambos. Perder o jogo significava, no fundo, perder uma guerra. No caso do nazismo, de modo particular, significava ver decair sua suposta superioridade racial.

Não existiria oportunidade melhor para mostrar ao mundo a superioridade ariana do que os jogos olímpicos de Berlim, realizados em 1936. Embora a escolha da sede dos jogos tenha sido feita em 1932, antes, portanto, da ascensão do nazismo ao poder, ainda assim o evento será amplamente apoiado pelo governo de Adolf Hitler. Os investimentos financeiros serão os maiores na história dos jogos até aquele momento, destacando-se a construção do complexo olímpico Reichssportfeld, hoje chamado Olympia Park Berlim. O centro olímpico tinha como atração principal o Estádio Olímpico de Berlim, com capacidade para 100 mil pessoas, o maior do mundo até a construção do estádio do Maracanã, em 1950.

O sucesso nas Olimpíadas de 1936 era dado como certo pelo governo do Terceiro Reich. E, de fato, a Alemanha terminou em primeiro lugar no quadro de medalhas. Contrariando, porém, o que defendiam os nazistas, o desempenho da Alemanha nada teve a ver com fatores eugenistas, mas sim com o pesado investimento financeiro do governo alemão nos diferentes esportes. Por outro lado, embora a Alemanha tenha sido o país com o maior número de medalhas, não venceu as principais provas de atletismo, considerada a modalidade mais nobre dos jogos. Pior que isso, os nazistas viram o americano negro Jesse Owens, neto de escravos do sul dos Estados Unidos, ganhar quatro ouros no atletismo, em pleno estádio olímpico de Berlim, nas provas de 100 metros rasos, 200 metros rasos, Salto em distância e revezamento 4 x 100. A notícia de que Hitler se recusou a cumprimentar o campeão negro é falsa; apesar disso, o que é verdadeiro é a enorme decepção do governo ao ver, em seu próprio território, um negro levando para casa as principais medalhas dos jogos. Cabe ressaltar que, nos Estados Unidos de Jesse Owens, ainda vigoravam as leis de segregação racial. Em vista disso, esse atleta se permitiu afirmar, depois de suas conquistas:”Não foi Hitler que me ignorou - quem o fez foi Franklin Delano Roosevelt. O presidente nem sequer me mandou um telegrama”.

A Importância dos jogos era tamanha que o próprio Hitler encarregou a célebre cineasta alemã Leni Riefenstahl (1902-2003) de produzir um documentário sobre o evento. A cineasta já havia filmado o Congresso do Partido Nazista em 1934 e transformou o evento num filme de enorme sucesso intitulado Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935). No novo filme Olympia (1936), Leni procurou associar a estética física dos atletas à ideia de harmonia e pureza racial. O registro dos Jogos olímpicos, como documentário, mostrava a importância das práticas esportivas para o regime.

FONTE: ROSA, Davi da. Nazismo. São Paulo. Lafonte, 2020 (p. 23-29)

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