terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O que comemoramos no natal?

Imagem retirada do site Os Invicioneiros
O nascimento de uma criança, pobre, em um lugar ocupado por forças imperiais. Sua mãe engravidou antes do casamento, que ainda assim se realizou com um homem que a quis e também ao seu filho. Então, de uma mulher mãe solteira, nasceu um filho “bastardo”, adotado por um padrasto carpinteiro. Quando adulto este homem zelou radicalmente pelos ensinamentos mais fundamentais da fé de seu povo e nestas condições, por pregar a igualdade absoluta entre os seres humanos, tornou-se um preso político. Foi capturado pelas forças da repressão, torturado, abandonado e condenado sumariamente, morreu da forma mais sofrida que se podia impor a alguém de seu tempo. Lutou para manter-se fiel ao que acreditou e pelo que viveu e lutou.

Em muitas culturas antigas há o culto a uma criança sagrada, são chamados avatares e estão presentes desde o Japão até as tribos indígenas na jovem América. É um arquétipo que representa a necessidade de evolução espiritual. “A criança divina diz respeito ao eixo central que, tendo uma origem narcísica, permite a coesão do self. Trata-se de uma representação do “sopro divino”, de uma integração com a natureza, de um saber direto, intuitivo". (Carl Jung).

A Criança Sagrada é aquela que não perdeu a consciência da sua origem, o fundamento do ser. É ela quem melhor expressa as qualidades relacionadas aos nossos valores espirituais: a essência divina da humanidade. 

É emblemático que a despeito do dogma de um Jesus acima da humanidade, nascido de uma mulher “virgem” e que cristalizou a imagem de uma família “sagrada” composta de pai, mãe, filho, haja um Jesus que persiste em se apresentar tão próximo e tão humano, tão nós.

Imagem retirada do site G1
Por outro lado, boa parte dos símbolos natalinos estão ligados aos cultos agrários pagãos, em especial aos festejos de Yule ou Alban Arthan, luz do inverno (no hemisfério norte). A criança sagrada aqui nasce como o sol, para trazer a mensagem da vida e da esperança. O verde representa o renascimento da natureza após o rigoroso inverno, o dourado os raios do sol em dias cada vez mais longos e aquecidos e o vermelho, bem, o vermelho é o sangue da deusa que é capaz de engendrar e sustentar a vida. Muito humana.

A criança sagrada por trás da tradição cristã nos espera todos os dias nas favelas do Brasil, da Bolívia, dos EUA, da Índia, nas terras ocupadas do Iraque, da Síria, da Palestina. Seus pais labutam diariamente para cria-las e, muitas vezes, não podem mais enxergar o presente, o milagre da vida em seu nascimento. Quando adulta, esta criança é Amarildo, é um Guarani Kaiowá, uma mulher indiana em um ônibus, está em Guatânamo, em uma prisão na Sibéria, ou em qualquer outro lugar onde as garras da opressão os tenham alcançado.
Imagem retirada do blog Hiperssessao
Sua mensagem, contudo, permanece: o amor radical e a igualdade absoluta na construção/recuperação deste self reconciliado que é negado a todos pelo sistema desumanizador que, em primeiro lugar desumanizou quem oprime e que se reproduz por estender a desumanização sobre todos nós.

Este amor radical e esta igualdade absoluta a criança sagrada, tão humana, tão próxima, expressou de forma tão intensa que continuamos a honrá-la, ainda que, por vezes, esqueçamos o fundamento destas festas milenares.

A criança sagrada renasce em cada um e sempre quando lutamos radicalmente contra a opressão. Este Deus menino eu posso honrar. O exemplo que deixou de profundo amor, solidariedade e igualdade é uma memória e também um porvir pelos quais vale a pena viver e vale a pena morrer.

Que nossos corações possam se abastecer destes ritos e que, em contato com as pessoas que amamos possamos retornar às nossas tarefas e lutas cotidianas para realizar este porvir. E se assim for, será Natal para sempre.

Um grande, fraterno e solidário abraço a todos vocês.

(Lorene e Família - Retirado da lista do Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo EBEM).

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