sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

E-SPORTS SÃO ESPORTES? ALGUNS PITACOS SOBRE A POLÊMICA RECENTE

Embora tenhamos pautas mais importantes para o momento como a necessidade de fortalecer a organização e a mobilização da classe trabalhadora para combater a tentativa de golpe fascista em curso. Darei alguns pitacos sobre a polêmica recente levantada pela Ana Moser sobre os eSports. 

O primeiro ponto a se levar em consideração é o que é esporte e qual sua diferença para as demais manifestações da cultural corporal (luta, dança, ginástica e, principalmente, os jogos). De modo geral, o esporte se desenvolve a partir dessas práticas, que por sua vez surgem da atividade de trabalho em determinada época, e adquirem sentidos próprios (ludicidade, sobrepujança, expressão rítmica, exercitação, competição). 

Ao passo que o modo de produção, suas relações sociais e as forças produtivas se transformam, essas manifestações ganham novos sentidos. É no capitalismo, modo de produção pautado pela concorrência e pelo individualismo que o esporte se transforma e se torna a prática hegemônica da cultura corporal. O desenvolvimento dessa nova sociedade aumenta a possibilidade de competição entre os povos e, consequentemente, a necessidade de padronização das regras e de uma entidade internacional organizadora. Além, é claro, da necessidade de obtenção de lucro, pois no capital tudo se torna mercadoria.

 As características que se apresentam de forma regular neste fenômeno são:

1.      Competição profissionalizada;

2.      Orientada a comparar um determinado desempenho entre indivíduos ou grupos em troca de uma recompensa;

3.      Regida por um conjunto de regras fixas que procuram dar aos adversários iguais condições de oportunidade;

4.      Regras institucionalizadas por organizações que assumem (exigem) a responsabilidade de definir e homogeneizar as normas de disputa a nível mundial.

Como falei, é no capitalismo que o esporte ganha essa proporção e se sobrepõe às demais manifestações da cultura corporal fazendo com que muitas delas se tornem esporte. A necessidade de comparar desempenho e de obter lucro ganha centralidade frente aos outros sentidos que podem ter essas atividades. 

O que confunde muita gente é que essas atividades que se tornam esportes seguem podendo ser realizadas com outro sentido. A capoeira, por exemplo, surge como uma luta, uma atividade de combate, em determinado momento passa a ser realizada como dança e no capital a tende a tornar-se esporte. Uma coisa pode ser outra coisa sem deixar de ser ela mesma. 

O Skate, o breakdance e o surf foram recém-promovidos a esportes olímpicos, mas não surgiram com a perspectiva da competição e creio que a maioria dos praticantes dessas atividades não as realizam por esse viés. O mesmo vale para os jogos eletrônicos. De modo geral os jogos (e brincadeiras) têm por características a ludicidade (embora possa ter competição), a flexibilidade nas regras, a liberdade de sair ou entrar da atividade… mas muitas delas dentro do capitalismo adquirirem características esportivas. 

Veja… isso vale tanto para os eSports quanto pra o… FUTEBOL! Há registros de atividades similares ao futebol em diversas manifestações populares de diferentes sociedades na antiguidade e na idade média. Nesse sentido, este JOGO tão enraizado na nossa cultura só se torna ESPORTE através do processo de sua separação definitiva rugby com a padronização das regras nas universidades inglesas em 1863. Período justamente da consolidação do capitalismo na Inglaterra. 

Então a discussão se é ou não esporte não passa pelo fato de ter domínio público ou de ser de responsabilidade de uma empresa, de ser um entretenimento ou de gerar lucro (cabem outros debates aqui) ou de ser um exercício físico. O esporte é uma categoria social que necessita ter competição, regras fixas, institucionalização e profissionalização (inclusive visando o entretenimento e o lucro). 

Nem todo jogo/brincadeira é esporte (empinar pipa ainda não é, por exemplo), mas boa parte do que conhecemos hoje como os esportes são oriundos dos jogos ou de outros elementos da cultura corporal (lutas, dança e ginástica) e a tendência é pela esportivização dessas práticas. 

Neste sentido os e-sports são sim esportes. 

O mais legal é que mesmo sendo esportes eles podem ser realizados dentro de um sentido lúdico, que é inerente aos jogos. Assim como as danças, as lutas e as ginásticas (cada qual com sua particularidade). Deu pra entender ou confundiu mais? 

Pra finalizar, eu adoro a Ana Moser. É uma das poucas vozes progressistas que temos no nosso esporte. Então essa crítica é mais no sentido de ver bem sobre um debate que ainda não há consenso dentro da educação física. 

O fato do Ministério do Esporte investir ou não nessas modalidades é um outro debate que também tem pano pra manga. O camarada @prof_ebcandal lá no instagram trouxe um debate sobre a relação da ministra com as ONGs e o embate com as empresas de jogos eletrônicos. Vale a pena ver.

Com certeza deixei muitas lacunas nesse texto, mas espero que possa contribuir para o debate.

Por Ediberto Ferreira de Almeida

Licenciatura em Educação Física, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2014). Especialista em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer, pela Universidade Federal da Bahia (2016). Mestre em em Educação pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2018). Atualmente é professor efetivo da Rede Estadual de Ensino da Bahia (SEC/BA) e Membro do Grupo LEPEL/UEFS (Linha de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer). Tem experiência na área de Educação Física. Pesquisa problemáticas científicas referentes à formação humana, formação de professores e currículo. Atuou também como Educador Popular em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e como professor temporário da Rede Municipal de Ensino de Salvador (SMED).

Nenhum comentário: