domingo, 31 de julho de 2016

Educação Física Escolar

A escolha do Rio de Janeiro como cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016 reacendeu um debate muito antigo - embora um tanto quanto adormecido ultimamente - entre os professores de educação física no Brasil e que diz respeito ao papel tanto do professor quanto do esporte no interior das instituições de ensino, principalmente, nas escolas públicas.

Entra Olimpíadas, saem Olimpíadas, os freqüentes fracassos brasileiro nas mesmas são sempre justificados em função da precariedade com que se desenvolvem as aulas de educação física nas escolas. Professores desmotivados, escolas sem estruturas, alunos e alunas evadindo-se das aulas, falta de material esportivo, são os motivos mais comuns arrolados por todos os que pensam o esporte olímpico e enxergam a escola como a base da pirâmide esportiva.

Os que têm uma visão esportivizante da educação física consideram o professor como um técnico, os alunos como atletas e as escolas como espaço de detecção de talentos. Nesse sentido o esporte deve ser massificado nas escolas, os alunos devem ser encorajados a participarem das aulas, ou melhor, dos treinos, e aos professores cabem, com o olhar clínico que lhe é nato, perceber as habilidades técnicas dos seus alunos, alçando-os à condição de atletas da escola.

O professor de educação física será reconhecido como bom, pelo número de troféus que ele conseguir para a escola e quanto mais medalhas conseguir colocar no peito dos agora atletas escolares.

A escola será a instituição principal da pirâmide esportiva, será aquela instituição que ficará na base da pirâmide, sustentando o processo de detecção dos possíveis talentos esportivos, daqueles sujeitos que, um dia, brindará o país com medalhas olímpicas, de preferência, de ouro.

Alguns depoimentos colhidos aleatoriamente em alguns sítios ligados ao esporte expressam, por parte de alguns, a função da educação física escolar. Vejamos:

"(...) em se tratando de base, de lapidação (...) tem que partir da escola de "Ensino Fundamental"

"Eu nao sei nem pra que uma Escola Tecnica possui uma piscina "semi-olimpica", ja que sendo "técnica" nao é de sua responsabilidade nenhuma prática esportiva de competição e muito menos de aprendizado (Educacao fisica)...Esse tipo de ensinamento e capacitação, se fosse bem organizado, partiria do Ensino Fundamental, onde as crianças podem ser avaliadas como futuros atletas em potencial..."

"Bem, meu ponto de vista é o seguinte: Se o MEC, funcionasse como se deve, e de novo a velha reclamacao em relacao a eficiência do "esporte nas escolas de base", nao precisaria de "Ministério dos Esportes"..Sendo que a seunda etapa ficaria a cargo do COB e das federacoes esportivas...Apareceriam muito mais jovens atletas em potencial, que poderiam ser aproveitados pelos clubes e academias e suas respectivas federacoes...Ou seja, trabalhando a Escola na base, os clubes teriam que se preocupar só com o alto nível..."

Se tivermos um fracasso retumbante nos Jogos Olímpicos que se aproximam, não tenho dúvida alguma de que esses argumentos aparecerão com mais força ainda nos discursos dos dirigentes esportivos.

Não obstante, isso não pode fazer com que nós, professores e professoras, preocupados com a formação humana, se deixe levar por esse debate que mais restringe do que amplia o nosso papel no âmbito escolar. Inclusive, penso que o mesmo deva ser incorporado nas nossas aulas, para que os alunos e alunas tomem consciência do sentido e do significado que é sediar os Jogos Olímpicos e, também, os paraolímpicos, na dimensão social, política e cultural do país.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Academia do Povo

Foi ao ar, ontem, na programação do Globo Esporte, seção Bahia, uma matéria no mínimo curiosa pela sua abordagem e que levanta uma pergunta nada inusitada: como praticar atividade física trabalhando?

A pergunta faz parte da abertura do quadro intitulado Academia do Povo. Para responder esta pergunta, o professor de Educação Física Fred Franco participa dando dicas de atividades físicas para pessoas que trabalham na rua.

Inicialmente imaginei tratar-se de mais um daqueles quadros televisivos de mau gosto, as tais das pegadinhas. Mas, quando vi o professor indo em direção a um vendedor de pano de prato, perguntando ao mesmo se ele estava vendo o sol, para logo depois sugerir ao mesmo que bebesse muita água, pensei: a coisa é séria.

João de Jesus Souza Filho trabalha de segunda a sábado. Pega no batente sete da manhã e vai até cinco, vendendo panos de prato entre os carros parados na sinaleira de uma movimentada Avenida de Salvador. Em seus braços, vários panos grossos vendidos a dez reais o conjunto de cinco peças.

Fred Franco então alerta que a Academia do Povo está ali para ajudar e assim, passa algumas dicas de alongamentos para o João, de sobrenome Filho e que também é de Jesus. O nosso Fred enfatiza que o objetivo é que ele possa render um pouco mais no outro dia e sentir menos dores.

João não perguntou. Mas acredite que eu consegui perceber pelo olhar dele que a frase “render um pouco mais no outro dia” tinha relação com o dinheiro ganho na labuta e não com a condição física dele. Vã esperança. Mas a frase construída pelo nosso bem intencionado colega foi muito criativa. Usou de expressão que com certeza causou um efeito motivador muito grande no nosso João.

Imagem retirada do site da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde

Segundo o professor, João que é de Jesus, trabalha muito a perna para lá e para cá. Então é preciso que João, aproveitando o sinal fechado e o meio fio da avenida, acompanhe o professor em uma sessão de alongamento da panturrilha, claro. E com carga. Na medida em que alongava a “batata da perna”, o nosso vendedor apoiava, no seu braço esquerdo, os panos de prato numa naturalidade de fazer inveja para qualquer fisiculturista.

Detalhe gravíssimo não observado pelo colega. João estava andando sem o uso de um tênis adequado para caminhadas longas e duradouras. Possivelmente, o alongamento não surtirá efeito algum em função desse simples detalhe.

Mas, voltemos. O professor observa que João mantém uma determinada posição quase o dia inteiro. ”Como vocês viram, ele mantém a mesma posição o dia inteiro, né? Isso mantém uma tensão na musculatura e é necessário alongar também. E aí a gente vai fazer um alongamento nessa parte de cima também, pra tá ajudando ele no trabalho diário”. Afinal de contas é esse o objetivo da Academia do Povo.

E lá vai João para nova sessão de alongamentos. Atenção. Nesse ínterim, pelo que pude perceber na gravação, o sinal já tinha aberto e fechado duas vezes e nada de João de Jesus, que confessou nunca ter feito isso na vida dele, vender seus panos. Mero detalhe. Já sabemos pela mesma rede de televisão que "saúde é o que interessa, o resto não tem pressa".

Por fim, o professor nos informa: “A seqüência que a gente fez com João, agora, qualquer pessoa tem acesso. A dona de casa, o taxista que trabalha o dia inteiro dirigindo, quem trabalha em escritório. Isso ajuda bastante na produtividade da gente”.

Recado dado. Alongue que sua produtividade aumenta, pois você renderá um pouco mais no outro dia.