sábado, 9 de junho de 2012

Aldeia Maracanã

A batalha das ideias em curso implica a crítica a centralização e concentração da mídia. Atualmente, são onze o número de famílias que controlam e comandam o que se vê, lê e se ouve no país. Essas famílias definem o que você deve saber, agendam o debate para o dia seguinte, ditam normas de comportamento, disseminam valores culturais e tudo isso de acordo, obviamente, com os seus interesses comerciais e de classe. São essas mesmas pessoas que usam os seus medias para falar de liberdade de expressão. E quando o governo procura regular sua inserção nos diferentes espectros sociais, elas começam a falar de censura. Piada.

Além do gracejo, eles entendem como liberdade o direito de veicular o que querem e bem entendem pelos seus medias e não o que é fundamental para se ver, ouvir e ler. Entre uma entrevista com a Xuxa, onde a mesma fala do abuso sexual que sofreu quando era adolescente e um programa que aprofunde essa discussão, a maior rede de televisão do país fica com a primeira opção. Nem mesmo a repercussão da entrevista de uma das suas mais destacadas estrelas sensibilizou a direção a pautar, nos seus programas jornalísticos, o tema de forma ampla e aprofundada. A entrevista bastou.

Ontem, motivada pela Rio+20, o Globo Repórter nos apresentou uma tribo de índios, os Enawenê-nawê. Ao todo são "(...) 640 índios divididos em nove clãs diferentes. São 16 grandes malocas e uma vida primitiva". Obviamente que a ideia de "vida primitiva" fica ao critério da "visão" do homem branco, repórter da emissora. Esses homens e mulheres "primitivos" dança, tocam flauta, oferecem penduricalhos aos deuses, coisas que nós, os "civilizados" também fazemos e, olha que coisa, jogam um jogo que forçando a barra dá para dizer que é "futebol". Inferências, sempre, por favor, do repórter da "Vênus platinada" que, também, sustenta que o mesmo é esporte.

Mas deixemos isso para lá. O fundamental é que a mesma nos trouxe informações interessantes, guardadas as devidas proporções, observando que cabe em um programa que virou "revista eletrônica" e tem um pesado tom de entretenimento. E trouxe a tona, sem aprofundar, lá no final do programa, a questão da demarcação das terras dos Enawenê-nawê. Como esse projeto já passou pela câmara e já tem um "destino final", pode-se tocar nisso sem ferir suscetibilidades e tocar em interesses dos empresários, donos dos medias.

Mas o que me chamou a atenção foi o fato da Rede Globo ter ido no recôndito do Mato Grosso falar dessa tribo quando, no próprio Rio de Janeiro, ao lado do Maracanâ, existe também um grupo de índios, representantes de diversas etnias que vem lutando pela recuperação do prédio do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). É um prédio histórico que corre o risco de sucumbir diante das obras de reforma do estádio do maracanã.

E esse movimento de ocupação dos índios não é recente. Vem desde 2006 e eles esperam agora, com a Rio+20, dar visibilidade a sua luta que implica para além da recuperação e reforma do espaço, a retomada do Museu do Índio, que foi levado para a zona sul da cidade e a criação de uma universidade indígena.

As tribos que ocupam o prédio, que é da responsabilidade do Ministério da Agricultura, receiam que o advento da Copa 2014 e, creio, das Olimpíadas de 2016, promovam a desocupação do histórico imóvel, que teve como seu primeiro presidente o marechal Cândido Rondom e foi palco da idealização, por parte do antropólogo Darcy Ribeiro, do Parque Indígena do Xingu. "Apesar disso, governantes e torcedores concentram suas atenções nos 180 mil metros ocupados pelo Maracanã, de olho no cronograma das obras, e ignoram por completo o pequeno enclave indígena de apenas mil metros quadrados".
(Carta Capital, ano XVII, n. 700, junho de 2012, p. 14)

Ao tematizar os aspectos da vida dos Enawenê-nawê o Globo Repórter presta um serviço importante à sociedade. Mas ao silenciar sobre a vida dos caingangues, pataxós e outras etnias da aldeia maracanã que sobrevivem no SPI, demonstra uma falta de preocupação em aprofundar a temática que diz respeito a situação dos índios no território brasileiro em geral, e não apenas na Raposa do Sol e no noroeste do Mato Grosso.

A forma como as desocupações vem ocorrendo nas cidades sedes dos jogos da Copa do Mundo de 2014 colocam o problema de forma concreta para os índios em particular e para a população no geral. Talvez seja esse o elemento que promova o silenciamento sobre a situação da aldeia maracanã. Impossível tocar nela sem tocar no assunto ocupação/desocupação, tema indigesto para o governo do Rio de Janeiro e das outras cidades da Copa em pleno ano eleitoral.

Aqui o conceito de liberdade de expressão como  o direito de veicular o que querem e bem entendem pelos seus medias e não o que é fundamental para se ver, ouvir e ler ganha forma e conteúdo. Melhor falar de uma situação que ocorre no Mato Grosso do que de uma que ocorre no Rio de janeiro. Ninguém vai poder dizer que a Rede Globo não se preocupa com os índios e de quebra, ela agrega valor na sua programação em plena véspera de uma Rio+20.

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