domingo, 11 de dezembro de 2011

MMA: para pensar e abrir o diálogo

Escrito pelo professor Elson Moura (Univ. Estadual de Feira de Santana)

Assim como todo lutador que tem acesso aos canais de luta, me preparei ontem para assistir o UFC 140, com a participação de 3 Brasileiros. Aliás; eu e uma centena de pessoas que hoje se organizam em bares outrora reservados para os jogos de futebol (preferi assistir em casa).

É difícil para um faixa preta de Karate ficar indiferente a estes eventos. É, também, difícil para um estudioso da Cultura Corporal, neste momento, estudando sua mercadorização, ficar indiferente ao que ontem aconteceu. Aproveito para abrir um diálogo fraterno com os que de um lado criticam, de outro – às vezes de forma romantizada- idolatram.

A forma como os dois Brasileiros (Rodrigo Minotauro e Lyoto Machia) terminaram suas lutas, merece, no mínimo, uma observação. O primeiro teve simplesmente uma fratura transversa no úmero por não ter desistido (os famosos 3 tapinhas) depois de um golpe encaixado (Kimura, se não me engano). O segundo apagou frente nossos olhos por, também, não ter desistido após um estrangulamento encaixado (Confiram a “assustadora” foto clicando aqui.

Já vi e tive algumas contusões: cortes e torções. Isso não quer dizer que veja isso como algo natural. Aliás, a época até era; dizia: “é o karate entrando”. Hoje, penso diferente. Não penso ser possível minimizar os impactos destas situações pelo simples fato de serem atletas preparados, saberem o que estão fazendo e terem aparato médico para socorrer; o que de fato, ontem, aconteceu.

Buscarei referência no próprio esporte. Aliás, quando a luta “abre o precedente” para ser esportivizada – que encontra no MMA sua máxima expressão- abre precedente, também, para tudo que este carrega.
O que para mim é notório – e teve ontem sua expressão- é o processo de alienação; neste caso, traduzindo como estranhamento.

O esporte que deveria me servir, onde deveria me reconhecer enquanto produtor e consumidor (consumo no ato de produção) passa a se estranhar de mim; passo a praticá-lo para atender a outros fins que não os diretamente ligados à minha satisfação. Passo a ter que valorizar uma marca, um clube, uma seleção, uma Confederação... uma mercadoria, às vezes minha própria força de trabalho enquanto mercadoria.

Isso trás consequências! Ou alguém acha normal um jogador se aposentar com 35 anos? Ter sua carreira interrompida por uma contusão? Jogar sem as melhores condições: o famoso “foi para o sacrifício”? Jogar com “infiltração”? Ver a menina Jadi, que nem a puberdade alcançou direito, já correr risco de aposentadoria? Estas até podem ser questões corriqueiras no esporte; jamais devem ser tidas como naturais!

Pois sim, este estranhamento invadiu a luta esportivizada: o MMA. O que existe por trás de um lutador que, convencido que o golpe está “encaixado” (gíria que significa que o golpe está eficiente), ainda assim não desiste?

Risco: os românticos dirão que são os princípios do guerreiro, melhor, do Samurai. Olá! O Bushidô, código, não escrito, de honra (Gi -justiça, Yu -coragem, Hei -cortesia, Jin - compaixão, Makoto - sinceridade, Meiyô -honra, Chugi - lealdade) esteve à serviço da luta de classes no Japão feudal (período conhecido como Shogunato).

O que estava, HEGEMONICAMENTE, em jogo ontem quando Minotauro e Machida não desistiram da luta? Qual império estava em jogo? Qual família? Qual clã? Os Samurais de outrora tinham um objetivo. Qual o objetivo dos de hoje?

Longe de anular – e os românticos gritarão!- os elementos constitutivos da ditas artes marciais, estas não estão à parte da universalização das relações mercantis. Ali, hegemonicamente, o que estava em jogo é o processo de valorização da mercadoria força de trabalho do lutador. Ao valorizar esta, valoriza uma centena de outras mercadorias incorporadas. Ou valoriza ou é demitido. “Valorizar”, entenda: ser agressivo e resistir até o fim!

Isto, também, trás características nas lutas esportivizadas e para os lutadores/atletas. Não naturalizemos o fato de ter um atleta estatelado, ainda assustado com o “estalo” no braço, enquanto outros comemoravam, davam entrevistas, assistiam o replay, ouviam os gritos de dor da torcida a cada vez que repetia a cena no telão... Acreditem, ao “ver” o estalo do braço, doeu aqui.

Longe de querer concluir sobre o assunto – como, aliás, alguns fazem- coloco mais este elemento, a alienação, para o debate.
Sigamos... OSS!!!

6 comentários:

Júnior Souza disse...

Otimo texto prof Elson Moura.Vale a pena ler. Realmentee esses fatos acabam muitas vezes passando despercebidos!

Reginaldo Sacramento disse...

Também acredito que se deixar "quebrar" já chega a barbárie. Porém, não entendo que esta acontece devido a esportivização da LUTA, não é o esporte o "grande culpado" pelas mazelas apresentadas. Se existe um fator responsável, poderíamos com...eçar a eleger o COMÉRCIO, a MERCANTILIZAÇÃO do HOMEM e o LUCRO, pois é o que os FINANCIADORES (inclusive parte do público) querem. E isto não é EXCLUSIVIDADE do esporte, mas, condição de mercadoria, ser OBJETO e LUCRO

Elson Moura disse...

òtima observação Reginaldo Sacramento! A raiz do porblema não é o esporte (nem foi esta a intenção do texto); esta é apenas mais uma produção humana absovida pelo modo de produzir a vida sob as relações sociais capitalistas. Pensemos ser o ...esporte- por uma multiplicidade de motivos- aquilo que de mais avançado (no sentido da absorção) existe no campo da Cultura Corporal. Os demais conteúdos - não sem resistência- acabam seguindo o mesmo caminho. Com a luta não é diferente. Para não correr o risco de análises maniquístas que destaquei a palavra "HEGEMONICAMENTE", ou seja, garanto a contradição, mas garanto, também, que existe uma hegemonia. EStas são mediações. A raiz, você já bem destacou: "a condição de mercadoria". Eu até convocaria suas irmãs mais velhas: propriedade privada/divisão socal do trabalho. E convocaria, também, o nome da família: Capitalismo! O texto ficou no campo, diríamos, das mediações, das expressões, no campo da cultura corporal, das relações sociais capitalistas. Ótimas observações!Ver mais

Anônimo disse...

Companheiro Elson!

Estou muito mau depois de ter visto, não a luta, mas a cena de Lyoto no chão. Cheguei a pensar que estava morto e chorei. Chorei porque fiquei imaginando a dor de sua mãe. Ela que nunca quis que ele participasse disso. Estou triste. Convivi com o pai, a mãe e com Lyoto. Sei muito bem a história de cada um.

O Karatê que nossos mestres nos ensinou está de luto. Não pela morte, mas pela dor.

Parabéns Elson pelo texto. Deve ser espalhado nos quatro cantos do mundo, em minha opinião.

Eles vão dizer agora que a gente só escreveu porque Lyoto perdeu. Pode esperar. Se prepare que vem PORRRADA!

Abraços,

Joselúcia

Elson Moura disse...

Não entendi o "REALIDADE REAL". A critica que fiz é baseada nesta realidade. O que talvez faça diferença é que não divido unilateralmente a realidade da possibilidade. Entendo esta última como uma realidade em potenci...al. Muito embora esta critica nem tenha abordado "naquilo que queríamos que fôsse". É um texto de critica ao real. Não foi feito para ser trabalhado no chão da escola. É um texto para problematizar a forma hegemônica de trato com a luta. Como assim a ganancia não passa pela sala de aula? E por que que as questões maravilhosas do mundo não entram nesta questão? Por que não? Vou fazer minha critica ao REAL tomando que projeto como referência.? Devo ser refém do "mundo ruim, duro perverso"? Podemos alongar o diálogo procurando descobrir or que o mundo ESTÁ (e não é) assim. Mais uma vez vamos ter que voltar a discutir em cima do binômio realidade/possibilidade. Eu não consigo entender por quê que a critica ao real, que tem um projeto como horizonte é tida como sonho, como utopia, como aquilo que queremos... A ciência nos permite antecipar os fatos reais, óbvio a partir da analise das condições objetivas de sua mudança. Enfim...necessito de mais explicações sobre a diferença entre a realiade real e aquilo que queremos. Até por quê, o que aí está, o que constato com os rgão do sentido, não é esta realidade real; é a realidade empirica, imediata... a real só depois do processo de abstração.

Michael Daian disse...

Parabéns pelo ótimo texto Elson Moura, pois percebemos atualmente uma crescente esportivização da luta e fiquei aqui pensando como podemos nos qualificar para apresentar esses sentidos e esses siginific...ados que perpassam pela cultura corporal ( aqui no caso a luta) no chão da escola básica. E acredito que texto como esses são importante para qualificar nossas "ações" na escola. Ainda mais com um tema que temos uma precariedade na sistematização para a educação física escola.