terça-feira, 19 de abril de 2011

Jogos indígenas: competição ou cooperação?

Termina hoje, em Coroa Vermelha, distrito da cidade de Santa Cruz Cabrália, distante 727 quilômetros de Salvador, Bahia, a décima primeira edição dos Jogos Indígenas. Este evento contou com a participação de diferentes etnias, entre elas a tuxá, caimbé, tupinambá, pataxó hã-hã~hãe entre outras, totalizando mais de mil índios distribuídos em 14 equipes que durante quatro dias, participaram de diferentes atividades esportivas.

O objetivo principal do evento é a integração entre os povos, suas culturas e congraçamento das etnias que somam-se em 15 no nosso Estado. Somente no extremo sul da Bahia há cerca de 25 mil índios da etnia pataxós. Em Coroa Vermelha, onde os jogos são realizados todos os anos, vivem 5 mil índios.

Os jogos são divididos em 12 modalidades: corrida rústica, arco e flecha, arremesso de takape, canoagem, entre outros, inclusive o futebol, são algumas das modalidades em disputa.

Sempre que ocorre este tipo de evento aparece, na mídia nativa, uma abordagem do mesmo completamente destituída de historicidade. É como se os índios, aculturados, procurassem imprimir uma repetição do modelo esportivo que conhecemos através dos Jogos Olímpicos, entre outros modelos divulgados que atualmente se traduzem pelo nome de megaeventos esportivos.

Tá vendo aí? Até os índios competem entre si. Viu lá? A competição é tão presente no ser humano que já se encontrava nos povos indígenas aqui "descobertos". Essas expressões aparecem, aqui e acolá, como detentora de uma certeza absoluta: a competição é um valor nato, é um elemento intrínseco ao ser humano. Se bobear, dizem até que faz parte do nosso código genético. É cromossômico, diriam outros.

Mas os eventos que se somam às disputas entre os índios que participam dos Jogos parecem indicar uma outra lógica. Ontem, por exemplo, na abertura do terceiro dia dos XI Jogos Indígenas Pataxó de Coroa Vermelha, os anciões e líderes, mais dos que os "atletas", foram os homenageados; canções foram entoadas em português e em Patxôhãno, e as mesmas dão o tom dos jogos, o real sentido e significado que os mesmos têm para todas as etnias que deles participam.

 Uma das canções assim dizia: "Muita lenda, muita glória, em nossa terra foi plantada. Chegaram as embarcações, trazendo santos e ladrões. Trouxeram histórias bonitas, muitos presentes e fitas. Até um deus ofertaram. Outra alma e outra crença, um punhado de doenças. E nossas terras roubaram".

Para isso eles fazem os jogos. Para disputarem não entre si, medalhas e troféus, glórias e pódiuns, mas para resgatarem seus valores, sua cultura, seu dialeto. Trocarem informações, mostrarem suas tradições para as comunidades não indígenas, entre outras coisas.

O agonismo está presente, a competição idem, a busca pela superação igualmente, mas existe uma lógica diferente nos códigos das modalidades esportivas praticadas pelos índios. Talvez, quem sabe, uma mensagem, àquela que diz que nós podemos muito, nós podemos mais, sem, necessariamente, jogarmos uns contra os outros, mas, sim, com o outro.

Talvez por isso, e só talvez, esses Jogos não tenham um átimo de segundo de visibilidade na mídia televisionada e, quando ocorre, o que é demonstrado não corresponde a verdade. É o necessário filtro de um modo de produção que insiste em demonstrar, pela sua lógica intrínseca, que competir é melhor e muito mais vantajoso que cooperar.

5 comentários:

Unknown disse...

Como um seguidor assíduo, te parabenizo pela postagem (competição ou cooperação),e pelo aniversário do Esporte em Rede. Por que sem duvidas precisamos de postagens esclarecedoras, como esta, e outras. A Canção postada é FABULOSA.

Unknown disse...

Parabéns! Parabéns. Foi uma das postagens mais poéticas que vi. Você está cada vez melhor, vamos pensar em, no proximo ano participar de forma direta destes jogos? O que acha? Tive vontade de ir este ano, mas as condiçoes materias e subjetivas não deixaram. É sempre bom te ver falar ou ver atraves da tua escrita o que diz. Tenho uma amiga Claudia, que está trabalhando no IFBA de Porto Seguro com Licenciatura Indígina, vou passar a postagem para ela e se quisermos aprofundar a temática é só marcar e vamos a Porto, lugar não falta para ficar. Sucesso cada vez mais e que estes 2 anos se transformem em 20...

Anônimo disse...

Foi Fábio Nunes que postou!!

Welington disse...

Fábio, muito obrigado pelas palavras. A sugestão de participar do evento no próximo ano é instigante. Vamos ver ser amadurecemos a ideia. Abraços fraternos.

Mauro Betti disse...

Parabéns pelo texto: didático, conceitualmente correto, politicamente esclarecedor

MAURO BETTI