sábado, 26 de junho de 2010

Os homens e os jogos

Em memória ao meu tio e padrinho Welington, que veio a falecer ontem, 25 de junho, na cidade de Aracaju, Sergipe. Torcedor do Vasco, acreditava, como muitos de nós, que futebol é jogado nas quatro linhas. O seu corpo descansa na cidade jardim, Estância, Sergipe. Livre, agora, de todos os jogos humanos.
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Acreditem: o Estado de São Paulo está sem estádio para abrigar as partidas referentes à Copa do Mundo de 2014 que será realizada aqui no Brasil.

Não duvidem: o Estado do Paraná pode ter o mesmo destino.

Sobre a questão do Paraná, é apenas uma hipótese que explicaremos mais abaixo. Sobre São Paulo, é um fato. Consumado? O tempo dirá. No dia 16 de junho do corrente ano, uma quarta-feira, uma nota foi publicada na página oficial da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) afirmando que o Comitê Organizador Local (COL) declarou que o projeto de reforma do Morumbi fora descartado.

O senhor Ricardo Teixeira, que preside as duas entidades, justificou a saída da arena morumbi dos planos do COL devido ao fato do Esporte Clube São Paulo não ter apresentado as garantias necessárias para a execução do projeto, atualmente orçado em 650 milhões de reais.

Mas há três outras versões sobre o acontecimento.

A primeira, mais simples de entender, nos fala da velha richa entre o presidente do Esporte Clube São Paulo, o senho Juvenal Juvêncio, com o senhor Ricardo Teixeira, o duplo presidente.

A segunda trás à tona o senador Álvaro Dias. Para quem não se lembra, o senador do PSDB foi quem propôs e presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da CBF/NIKE, mais conhecida como CPI do Futebol. Na oportunidade, o Ricardo Teixeira foi agraciado pelo senador da República com nada mais, nada menos do que 13 indiciamentos. Pois bem, este mesmo senador foi içado a candidato a vice-presidência na chapa do José Serra, candidato a presidência e atual governador do Estado de São Paulo.

Álvaro Dias é senador pelo Estado do Paraná. Aqui a razão da hipótese da possibilidade deste Estado sediar jogos da Copa de 2014 está ameaçada. Se o Ricardo Teixeira quer vingança pelo fato relatado, a mesma terá que ser completa.

A terceira versão é que existe um projeto, denominado de "Piritubão", na jogada. Este tem a anuência do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. O mesmo já teria avaliado o projeto em visita à fazenda do Ricardo Teixeira, tempos atrás. O projeto diz respeito a construção de um novo estádio que seria contruído para sediar jogos da Copa no lugar do Morumbi. Este, orçado em 1 bilhão de reais, tem como projetista um tal de José Hawilla, amigo de Ricardo Teixeira e dono da Traffic, maior empresa de marketing esportivo da América Latina e que gerencia clubes no Brasil e nos Estados Unidos e é lider em investimentos na carreira de jovens jogadores.

Em tempo. No dia 17 de maio, o senhor Hawilla realizou uma pequena festinha para um seleto grupo de 300 pessoas para comemorar os trinta anos da entidade. Lá estavam entre os presentes os senhores Ricardo Teixeira; o jogador Ronaldo; o rei Pelé; e a cúpula de grandes clubes. Até a liderança do PSDB paulista - os pré-candidatos Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab e Aloysio Nunes Ferreira - estavam por lá. (Leia mais sobre a festa clicando aqui)

Para quem ainda pensa que jogos da Copa do Mundo de Futebol se resumem aos jogadores presentes em campo, é bom lembrar que fora das quatro linhas que limitam o campo e para além das estruturas das arenas esportivas, outros homens jogam outros jogos.

sábado, 19 de junho de 2010

Sobre a Copa de 2010

A primeira rodada da Copa do Mundo já passou. Mas a mesma foi alvo de reflexões de alguns colegas de profissão que enxerga o futebol com outras referências e para além dos estádios. Nada melhor do que dar um espaço para os mesmos, pois seus comentários nos permitem sair da mesmice das reportagens jornalísticas monossilábicas e unidirecionais. O professor Lauro Pires Xavier Neto (foto) atualmente é professor da área de Fundamentos da Educação da UFCG (Campus de Cuité-PB), ministrando aulas nos cursos de Licenciatura (Física, Química, Biologia e Matemática). Tem experiência na área de Educação, principalmente com Educação do Campo, atuando principalmente nos seguintes temas: educação do campo, mst, movimentos sociais e formação de professores. É ele quem nos agracia com um texto leve e iluminador e que temos o prazer de publicar no nosso blog. Boa leitura. Boa semana. Bom São João para todos.
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Sobre a Copa de 2010

O cineasta italiano Pasolini dividia o futebol em prosa e poesia, tendo como referëncia a final da Copa do México em 1970. Evidentemente que a seleção canarinho, com Pelé, Tostão, Rivelino, representava a poesia do futebol e aquele jogo burocrático europeu, a prosa. Infelizmente, em 1970, o país do futebol vivia sob a batuta de milicos burocratas, assassinos do povo brasileiro e que souberam utilizar o resultado da Copa do Mundo como propaganda ideológica em favor regime ditatorial. No jogo contra o Brasil os presos políticos da época chegaram a torcer pela Tchecoslováquia, representante do bloco comunista que tanto assustava a direita reacionária da América Latina. Euforia política, e com um tom exagerado, encerrada até o instante que Pelé, magistralmente, chutou do meio do campo tentando pegar de surpresa o goleiro do país comunista – lance antológico não convertido em gol.

Desde 1990 que o maior evento futebolístico se resume a prosa. Jogos enfadonhos, poucas revelações, poucos gols, poucas jogadas magistrais. Evidentemente que não somos saudosistas daquele 10 a 1 que a Hungria emplacou em El Salvador em 1982, que gerou protesto do time salvadorenho colocando a goleada como atitude antiesportiva da equipe húngara! Ou na mesma Copa aquele jogo entre Alemanha e Áustria no qual as duas equipes, já sabendo dos resultados anteriores do grupo, combinaram o placar para que pudessem se classificar para a segunda fase – face horrenda de uma Copa com problemas de organização.

A Copa de 2010 começa com a mesma prosa que marcou os últimos eventos. Quem teve a terrível sensação de assistir França e Suíça (0x0) em 2006 e ver o time francês chegar a final do certame e agora perder seu tempo, como eu perdi, assistindo França e Uruguai (0x0), pode perceber que a promessa de uma Copa do Mundo diferenciada, por ser, pela primeira vez, em Continente Africano, caiu por terra. A média de gols dos primeiros jogos é muito baixa, o nível técnico de algumas equipes é lastimável e as grandes promessas parecem ter deixado de lado a poesia futebolística – e ainda corremos o risco de times medíocres com o da França, mas com um futebol de resultado, possam chegar ä final.

Resta-nos assistir aos programas sobre o futebol tão comuns nesta época. Entre um jogo e outro, antes de cair no sono, recomendo mudar o canal e procurar excelentes documentários como um que passou na TV SESC (Futebol e Arte) durante o enfadonho Sérvia e Gana. Quando terminou o primeiro tempo corri para preencher na minha tabela aquele 0x0 parcial, ato falho, pois ainda transcorreria o segundo momento do jogo, que para mim não representava mais nada.

No referido documentário temos um dos convidados falando sobre a opinião de Bertold Brecht sobre o espetáculo futebolístico e sua relação com o teatro. Brecht desejava uma apresentação teatral com o público gritando, xingando, opinando, da mesma forma que os torcedores se comportam nos estádios. Ah, que cena fantástica a população nas câmaras de vereadores ou nas assembléias legislativas gerando atos de manifestação irada, diferente do torpor típico desses espaços.

Na verdade a história tem mostrado que a direita e os setores reacionários tem se privilegiado dos espetáculos esportivos, vide as Copas de 1970 e 1978, bem como a Olimpíada comandada por Hitler. No nosso pequeno-vasto mundo os noticiários de TV e os tablóides dão ênfase ao espetáculo em detrimento aos acontecimentos políticos que circulam no país e no mundo. Vários órgãos públicos em greve, parlamentares em “recesso branco” (quem quiser que acredite), fantasmas no Senado são esquecidos durante quase um mês. Em contrapartida a propagando ideológica segue se aproveitando do evento. Não deixam escapar que a Coréia do Norte é esquisita, é um país fechado que nada por lá presta e que são... comunistas (ainda bem que já não comem criancinhas). Até pensei em ir ao primeiro jogo do Brasil com uma camisa vermelha, provocativa, mas tenho certeza que eu não seria compreendido pelos meus alunos e os doutos professores, lembrando que a partida é em plena terça-feira, precedida por uma reunião departamental e logo em seguida, no período noturno, aula normal.

P.S. Enfim tive que corrigir a minha tabela da Copa, Gana marcou 1x0 na Sérvia gol de... pênalti – e tome prosa!

domingo, 13 de junho de 2010

Arena Fonte Nova em suspeição

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) da Bahia está questionando o contrato assinado entre o Estado e o consórcio OAS/Odebrecht, responsável pela demolição da Fonte Nova, construção da nova Arena e, também, gestão da mesma. O contrato, no estilo PPP (Parceria Público-Privada) está orçado no valor de pouco mais de R$ 591 milhões.

Além deste valor, o Estado será responsável durante trina e cinco anos, pelo repasse, para o consórcio, do valor de R$ 107,320 milhões por ano durante trinta e cinco anos. Durante quinze anos destes trinta e cinco, o Estado ficará de fora de qualquer partilha dos lucros pela exploração da Arena e ainda terá a obrigação de complementar o caixa dos consorciados caso o que eles chamam de “patamar mínimo de auto-sustentabilidade” não for alcançado.

A Arena será utilizada para diversos tipos de eventos, desde o esportivo, até os musicais, religiosos entre outros, tal como ocorre hoje com o elefante branco de nome Engenhão, no Rio de Janeiro, construído para abrigar os jogos do Pan-americano de 2007.

Versa no contrato questionado pelo TCE, entre outras coisas, a exigência de que somente na Nova Fonte Nova poderão ocorrer jogos oficiais enquanto durar o consórcio. Com isso, o estádio de Pituaçu, que teve sessenta milhões de reais do governo do Estado para a sua construção, ficará largado às moscas.

Dos vários elementos colocados pelo TCE, saltam aos olhos o fato relatado de que “as estimativas de custo da obra que embasaram o procedimento licitatório, não se demonstraram fundamentadas em pesquisa de preço e orçamento razoavelmente confiáveis para suportar os valores utilizados como premissas do edital”. (A TARDE, Caderno de Política, p. B6, 05/06/10).

O Estado tem até o dia 02 de julho para responder aos questionamentos presentes na notificação impetrada pelo TCE. Com isso, acende-se a luz vermelha em relação ao prazo dado pela FIFA. Segundo a entidade máxima do futebol, os Estados devem estar com seus estádios prontos seis meses antes da Copa das Confederações, ou seja, até o dia 31 de dezembro de 2012.

Além do TCE nós temos também ações do Ministério Público Federal (MPF), que no dia 27 de maio do corrente ano “impetrou um agravo de instrumento na justiça”, solicitando suspensão da verba que seria liberada pelo BNDES para a execução da obra, pelo menos “até que o agravo de instrumento seja julgado” (idem).

domingo, 6 de junho de 2010

Athlone e o legado social made in FIFA

Provavelmente nenhum de nós ouvimos falar de uma pequena cidade situada a dez quilômetros da Cidade do Cabo chamada de Athlone nas programações televisivas sobre o mundial da África do Sul, mas esta foi palco de uma situação muito esclarecedora quando o assunto é a perspectiva da FIFA em relação ao evento que terá início no próximo dia 11.

Estamos muito acostumados a ler e ouvir que existe uma preocupação crescente da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional em relação ao chamado "legado social" deixado pelos seus respectivos eventos nas cidades sedes. De memória recente, tivemos aqui no Brasil o Pan-2007, no Rio de Janeiro. Entre o legado anunciado, estava a melhoria da mobilidade urbana, com a extensão do metrô até a Barra da Tijuca. Só ficou no papel esta e tantas outras melhorias anunciadas.

Mas o palco é Athlone e os atores iniciais são os representantes da prefeitura local e o governo da província. "As autoridades vislumbraram a possibilidade de, finalmente, criar empregos na periferia da segunda maior cidade do país. A ideia era aproveitar o evento para pavimentar avenidas, construir novas casas, reformar as antigas, incremenar o transporte coletivo".

No entanto, eles não contavam com o entendimento, muito mais moderno, do que significa "legado social" para a comitiva da FIFA que ao visitar o local escolhido e informada sobre a "(...) importância da escolha de Athlone para o incremento da área e a melhoria da vida das milhares de pessoas que moram ali" tratou de deixar muito claro que a preocupação da FIFA é muito mais com o "(...) público global da Copa do que na particularidade nacional" anunciando em alto e bom som ao jornal Mail & Guardian para que não restasse nenhuma dúvida aos bem intencionados, mas arcaicos e ultrapassados representantes da administração de Athlone, cuja mentalidade era típica dos intelectuais que gostam de miséria, de que o povo gosta mesmo é de luxo e que portanto, "Os bilhões de espectadores não querem ver favelas e pobrezas pela televisão".

Assim, buscando atender ao entendimento do "legado social" made in fifa, Athlone foi dispensada e anunciou-se, quatro meses após a visita da comitiva, que um novo estádio seria construído "(...) com 68 mil lugares, num dos bairros mais ricos da Cidade do Cabo".

Foi assim que surgiu o belíssimo estádio Green Point, palco das semi-finais da Copa da África do Sul. O nome do estádio se deve ao fato do mesmo ter sido erguido "(...) em uma das poucas reservas verdes da cidade (...)", uma tradução perfeita, coerente e simbiôntica entre o legado social e o legado ambiental "made in FIFA".

"Financiada com dinheiro público, a obra custou 1,1 bilhão de reais, quase quatro vezes mais do que o previsto. Ou era isso ou não tinha Copa, argumentou o vice-prefeito Ian Nelson, quando o estádio foi licitado". Talvez por essas e outras imposições a FIFA seja considerada, pelo Eduardo Galeano, o FMI do futebol.

Para uma entidade que representa um mercado de "250 bilhões de dólares anualmente" e que só "no ano passado faturou 1 bilhão de dólares com um lucro líquido de quase 200 milhões de dólares" e que até o momento "só com a Copa da África do Sul, ganhou 3,8 bilhões de dólares" fica realmente difícil pensar no social dos cerca de 130 mil moradores de Athlone.

[AS CITAÇÕES EM NEGRITO PRESENTES NO TEXTO FORAM RETIRADAS DA REPORTAGEM DE DANIELA PINHEIRO, PUBLICADA NA REVISTA PIAUÍ DO MÊS DE MAIO E INTITULADA QUESTÕES ECONÔMICO-LUDOPÉDICAS: A COPA DO CABO AO RIO. PÁG. 43-49].