domingo, 25 de julho de 2010

Mídia, ideologia e esporte

Estive em Fortaleza no último dia 21 de julho, quarta-feira, participando de uma mesa cuja a proposta era discuti as política de mega-eventos dos governos federais e estaduais junto aos alunos e professores de educação física que participavam do seu XXXI Encontro Nacional. A mesa foi em um ginásio de esportes do curso de educação física da Universidade Federal do Ceará, Campus do PICI. Presentes em torno de 600 participantes, num total de quase mil.

A parte que me cabia, sugerida pela ementa que me foi enviada pela Comissão Organizadora, dizia respeito a "fazer uma crítica aos meios de comunicação e sua influência na opinião pública, perpassando pela discussão de ideologia, controle social, poder e comunicação no que se refere à Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas no Brasil. Trazer elementos para a discussão sobre a manipulação das informações e como a mídia burguesa contribui para formar opinião e transmitir valores".

Iniciei conceituando mídia e situando a mesma, me valendo do Venício Lima, como um partido político, já que a mesma: a)constrói a agenda pública; b) gera e transmiti informações políticas; c) fiscaliza as ações de governo; d) exerce a crítica das políticas públicas e e) canaliza as demandas da população. (LIMA, 2006, p. 56).

Esses elementos são preocupantes, já que alguns indicadores apontam que somente um de cada brasileiro entre 15 e 64 anos conseguem entender as informa~ções de textos mais longos e relacioná-los com outros dados e 30% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais ou "alfabetizados rudimentares" que não conseguem, por exemplo, entender as orientações escritas por um médico.

Por que preocupante? Porque simplesmente 58% dos brasileiros declaram ter na televisão sua principal fonte de informação política (Vox Populi, 2006). Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, indica que 95,1% dos domicílios brasileiros possuem aparelho de televisão. Portanto, podemos dizer que os brazukas tem na televisão o seu principal veículo de informação e se consideramos que a mídia, principalmente a televisão tem uma relação de pertencimento com o esporte, onde um não vive sem o outro, e considerando que o mesmo agrega valor substantivo aos produtos "colados" ao mesmo, podemos raciocinar na direção de que é muito pouco provável de que a mídia terá uma avaliação isenta sobre os chamados mega-eventos, colocando para a população de uma forma geral os pontos positivos e amenizando os negativos dos eventos Copa 2014 e Olimpíadas 2016.

Aqui entra a questão da ideologia. Se utilizando de uma das manobras do discurso ideológico, a generalização de casos particulares, as diferentes mídias e fundamentalmente a televisa, procura apresentar casos particulares de experiências exitosas, como as Olimpíadas realizadas na Espanha, para justificar a importância dos eventos e promover o consenso no conjunto da população.

Esquecem ou se omitem, ou se utilizam de uma outra estratégia ideológica (o discurso lacunar), de apresentarem estudos já realizados e que apontam interesses corporativos pelos mega-eventos, situando o mesmo como um movimento mais do que necessário, em função das crises estruturais do sistema, de reprodução do capital e de que os dados apontam que os benefícios estruturais colados aos eventos para justificar mais uma vez os mesmos poderiam muito bem serem materializados independentes da Copa e das Olimpíadas e com um custo muito menor. Custo esse que, embora orçado atualmente em 24,6 bilhões de dólares (só a Copa, ok?) tem uma projeção orçada em 100 bilhões até o final do evento.

O esporte, principalmente o futebol, entra nesta dinâmica como um elemento mediador, entre tantos outros, que potencializam os processos ideológicos da classe burguesa, catalizando desejos e valores na direção dos seus interesses de classe, operando inversões da realidade, desenvolvendo processos de fetichizações através do reinado das coisas e promovendo a alienação.

Tipos ideais de modalidades esportivas são apresentados, sem nenhuma consistência no real. O próprio discurso esportivizante da escola pública como base para formar atleta esquece de mencionar o sucateamente da mesma e a carência, só no Estado da Bahia, de mais de 80.000 (oitenta mil) professores na rede, enquanto o governo federal retira 28 bilhões do orçamento para a educação. O discurso que promove o volutarismo através do esporte esquece de mencionar o necessário papel do Estado no desenvolvimento de políticas para o público, colocando, no cidadão comum, a responsabilidade em sanar as lacunas do sistema.

Outra questão que podemos mencionar é a apresentação, no discurso ideológico via televisão, do esporte como receita e remédio para todos os males da sociedade. A droga tá correndo solta na comunidade? Esporte. As crianças estão violentas? Esporte para canalizar essas energias raivosas. Além do mesmo poder, de lambuja, promover a ascensão social, afinal de contas, quantos marginalizados socialmente não modificaram o seu status quo pelo esporte?

Como estratégia de resistência a esse discurso ideológico promovido pela mídia, precisamos saber dialogar com a população, disseminando informações poucos conhecidas. De nada adiantará um discurso raivoso, negativista, não dialético em relação aos mega-eventos. Aproveitar do que dizem que precisam fazer como melhoria estrutural necessária para sediar o evento e pressionar para que se cumpra de forma transparente é uma possibilidade. A questão da MOBILIDADE URBANA, DE HABITAÇÃO, MELHORIA DOS TRANSPORTES PÚBLICOS, entre outros, interessam à todos nós e podem ser elementos importantes para mobilizarmos a população para além dos megaeventos esportivos.

5 comentários:

Vinícius disse...

Tenho muito interesse nesse tema, professor. Qual o livro do meu xará Vinícius LIma citado?

Anônimo disse...

Tenho receio que ao ser propôsto "do que dizem que precisam fazer como melhoria estrutural necessária para sediar o evento e pressionar para que se cumpra de forma transparente" se estar propondo na verdade uma "docilização do discurso". Esse "Blog" está de parabéns na medida que há pouco tempo atrás teve a coragem suficiente de expôr de forma clara e aberta o processo que representa a demolição do legado cultural e histórico que representa a Fonte Nova ante a construção da nova "Arena Fonte Nova", inclusive sob suspeição do ministério público. Tais informações se têm feito confirmadas diariamente nos pricnipais jornais aqui do Estado. Postagens como aquela me lavam a alma e me dão conta de quê de uma forma ou de outra existem resistências contra-hegemônicas. No Pan do Rio esperava-se também uma série de "benesses" com a alegação de que os investimentos trariam uma montante de avanços para a cidade e vimos que não foi bem assim.

Não moro em Salvador, muito embora seja "soteropólitas" mas e o metrô? A quantas anda? Tudo bem priorizar a demolição da Fonte Nova mas porque não priorizam também as obras do metrô? Dotação orçamentária? Ou vontade política?

As garantias de que o governo supra as necessidades de sua população não deveriam ou não devem estar atreladas a "mega-eventos" muito menos a "populismos" e muito menos ainda a "discursos eleitoreiros" mas sim ao cumprimento das ações públicas que são prerrogativas dos governantes e pra isso foram eleitos e é em função disso que são pagos os impostos, impostos estes pelos quais nós pagamos os salários deles.

Welington disse...

Olá, Vinícius. O livro é Mídia: crise política e poder no Brasil. Editora Perseu Abramo. Se quiser seguir dialogando com o tema específico, podemos conversar por email. Também me interesseo. Abraços.

Welington disse...

Olá, anônimo. Concordo com vc com o riso da docilização do discurso. Mas parto do princípio de que o evento ocorrerá. Isso é fato. Nesse caso, precisamos fazer dele um momento da politização do debate sobre as políticas públicas de esporte para o país e também o debate político sobre as melhorias necessárias das condições materiais de existência do povo de uma forma geral, o que não deve ficar na dependência de grandes eventos esportivos. A questão é: diante da realidade, o q fazer? Cruzar os braços? Partir para a ofensiva sem analisar o poder de fogo do outro lado? Isso é suicício, penso. Mas podemos utilizar o próprio evento para debater questões tanto específicas, ligadas ao esporte strictu sensu como, também, mais gerais, ligadas ao modo de vida. Obrigado pela ponderação. Abraços.

Anônimo disse...

Concordo, professor...só temo que o "poder de fogo do lado de lá" seja o mesmo há que estejamos subjugados ante o imperativo do capital ao qual o poder midiátco se subjuga. A idéia não é, absolutamente, de suicídio. Seria pouco inteligente. Mas de embate, enfrentamento mesmo! Contraposição a esta ordem. Neste sentido esse blog é corajoso!!!Os dados que nos mostra são dados avassaladores!!! Mas, e aí? Diante da realidade? Contraposição a ordem imposta pelo capital e não a docilização dos discursos. Sem radicalismos (muito embora com eles), no diálogo... Abraços...

Amplexos