sábado, 19 de junho de 2010

Sobre a Copa de 2010

A primeira rodada da Copa do Mundo já passou. Mas a mesma foi alvo de reflexões de alguns colegas de profissão que enxerga o futebol com outras referências e para além dos estádios. Nada melhor do que dar um espaço para os mesmos, pois seus comentários nos permitem sair da mesmice das reportagens jornalísticas monossilábicas e unidirecionais. O professor Lauro Pires Xavier Neto (foto) atualmente é professor da área de Fundamentos da Educação da UFCG (Campus de Cuité-PB), ministrando aulas nos cursos de Licenciatura (Física, Química, Biologia e Matemática). Tem experiência na área de Educação, principalmente com Educação do Campo, atuando principalmente nos seguintes temas: educação do campo, mst, movimentos sociais e formação de professores. É ele quem nos agracia com um texto leve e iluminador e que temos o prazer de publicar no nosso blog. Boa leitura. Boa semana. Bom São João para todos.
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Sobre a Copa de 2010

O cineasta italiano Pasolini dividia o futebol em prosa e poesia, tendo como referëncia a final da Copa do México em 1970. Evidentemente que a seleção canarinho, com Pelé, Tostão, Rivelino, representava a poesia do futebol e aquele jogo burocrático europeu, a prosa. Infelizmente, em 1970, o país do futebol vivia sob a batuta de milicos burocratas, assassinos do povo brasileiro e que souberam utilizar o resultado da Copa do Mundo como propaganda ideológica em favor regime ditatorial. No jogo contra o Brasil os presos políticos da época chegaram a torcer pela Tchecoslováquia, representante do bloco comunista que tanto assustava a direita reacionária da América Latina. Euforia política, e com um tom exagerado, encerrada até o instante que Pelé, magistralmente, chutou do meio do campo tentando pegar de surpresa o goleiro do país comunista – lance antológico não convertido em gol.

Desde 1990 que o maior evento futebolístico se resume a prosa. Jogos enfadonhos, poucas revelações, poucos gols, poucas jogadas magistrais. Evidentemente que não somos saudosistas daquele 10 a 1 que a Hungria emplacou em El Salvador em 1982, que gerou protesto do time salvadorenho colocando a goleada como atitude antiesportiva da equipe húngara! Ou na mesma Copa aquele jogo entre Alemanha e Áustria no qual as duas equipes, já sabendo dos resultados anteriores do grupo, combinaram o placar para que pudessem se classificar para a segunda fase – face horrenda de uma Copa com problemas de organização.

A Copa de 2010 começa com a mesma prosa que marcou os últimos eventos. Quem teve a terrível sensação de assistir França e Suíça (0x0) em 2006 e ver o time francês chegar a final do certame e agora perder seu tempo, como eu perdi, assistindo França e Uruguai (0x0), pode perceber que a promessa de uma Copa do Mundo diferenciada, por ser, pela primeira vez, em Continente Africano, caiu por terra. A média de gols dos primeiros jogos é muito baixa, o nível técnico de algumas equipes é lastimável e as grandes promessas parecem ter deixado de lado a poesia futebolística – e ainda corremos o risco de times medíocres com o da França, mas com um futebol de resultado, possam chegar ä final.

Resta-nos assistir aos programas sobre o futebol tão comuns nesta época. Entre um jogo e outro, antes de cair no sono, recomendo mudar o canal e procurar excelentes documentários como um que passou na TV SESC (Futebol e Arte) durante o enfadonho Sérvia e Gana. Quando terminou o primeiro tempo corri para preencher na minha tabela aquele 0x0 parcial, ato falho, pois ainda transcorreria o segundo momento do jogo, que para mim não representava mais nada.

No referido documentário temos um dos convidados falando sobre a opinião de Bertold Brecht sobre o espetáculo futebolístico e sua relação com o teatro. Brecht desejava uma apresentação teatral com o público gritando, xingando, opinando, da mesma forma que os torcedores se comportam nos estádios. Ah, que cena fantástica a população nas câmaras de vereadores ou nas assembléias legislativas gerando atos de manifestação irada, diferente do torpor típico desses espaços.

Na verdade a história tem mostrado que a direita e os setores reacionários tem se privilegiado dos espetáculos esportivos, vide as Copas de 1970 e 1978, bem como a Olimpíada comandada por Hitler. No nosso pequeno-vasto mundo os noticiários de TV e os tablóides dão ênfase ao espetáculo em detrimento aos acontecimentos políticos que circulam no país e no mundo. Vários órgãos públicos em greve, parlamentares em “recesso branco” (quem quiser que acredite), fantasmas no Senado são esquecidos durante quase um mês. Em contrapartida a propagando ideológica segue se aproveitando do evento. Não deixam escapar que a Coréia do Norte é esquisita, é um país fechado que nada por lá presta e que são... comunistas (ainda bem que já não comem criancinhas). Até pensei em ir ao primeiro jogo do Brasil com uma camisa vermelha, provocativa, mas tenho certeza que eu não seria compreendido pelos meus alunos e os doutos professores, lembrando que a partida é em plena terça-feira, precedida por uma reunião departamental e logo em seguida, no período noturno, aula normal.

P.S. Enfim tive que corrigir a minha tabela da Copa, Gana marcou 1x0 na Sérvia gol de... pênalti – e tome prosa!

2 comentários:

Miralva disse...

Uma boa prosa mesmo. Assim como Lauro, eu tô a todo momento corrigindo a minha tabela da copa. Brasil e Coréia, quem imaginaria que daria o magro placar de dois gols para os amarelos brasileiros. Certeza mesmo só do imponderável. Será que vai dar Costa do Marfim?

Anônimo disse...

Seria muito bom para o desenvolvimento da democracia brasileira se a televisão, que entra em quase cem por cento dos lares pautassem suas programações pelo bem da res-pública(coisa pública). Mas sabemos que isso não ocorre. O que é uma pena. O técnico dunga nas suas polêmicas entrevistas sempre menciona o termo espetáculo. Pois é isso. Tudo se transformou em espetáculo e até mesmo a política quando é pautada, o tom é espetacular.