domingo, 28 de março de 2010

Ser jogador de futebol

Certo dia, estava eu folheando não sei bem se uma revista ou um jornal em uma sala de espera de um consultório médico quando me deparei com uma tira em quadrinhos muito interessante e com um poder de síntese fabuloso sobre a ideia de ser jogador de futebol.

Esta expressava, em poucos quadros, a mudança que havia se processado na relação dos pais com os seus filhos sobre o fato dos mesmos utilizarem o seu tempo não para estudar, mas, sim, para jogar bola.

No primeiro quadro, um garoto aparece jogando com seus coleguinhas em uma rua. A mãe do garoto bota a cara na janela e grita: João acabe com isso logo menino e vem estudar, amanhã tem escola!

Em outro quadro, o mesmo garoto se encontra sentado à mesa, debruçado sobre livros, escrevendo em uma folha, estranhamente compenetrado para uma criança que aparentava poucos anos de idade. A mãe aparece ao lado do filho e diz: filho, por que você não pára de estudar e vai jogar bola?

Lembrei dessa tira ao ler, no jornal A TARDE do último dia 20 de março uma matéria assinada pelo jornalista Diego Adans tratando da situação dos ex-jogadores baianos de futebol.

Um ex-jogador de futebol, dirigente da Associação de Garantia ao Atleta Profissional da Bahia (AGAP), revela na matéria que dos 87 filiados à AGAP, apenas 30% recebem até quatro salários mínimos do INSS por mês, relativo ao tempo de serviço ou invalidez. Os outros 61 filiados sobrevivem com um ou dois salários e existem àqueles que nada ganham, dependendo das ajudas dos amigos para sobreviverem.

Estamos aqui apenas falando sobre aqueles que estão cadastrados na associação. Com certeza, os números são mais assustadores e as histórias de cada um reveladoras da relação desigual que campeia o mundo dos esportes. Histórias como a do ex-jogador do Esporte Clube Bahia, José Augusto, zagueiro, heptacampeão (73 a 79), que sobrevive hoje pouco mais de quinhentos reais por mês proveniente que recebe do INSS por invalidez, já que o mesmo sofre com uma lesão no joelho.

A reportagem também apresenta a situação de um outro jogador com história semelhante ao do José. Trata-se do “(...) Dendê, ex-ídolo do Atlético de Alagoinhas, com passagens por Bahia e Vitória e que atuou ao lado de Zico, no Flamengo, em 1975. “Estou passando necessidade”, admite. Sem conseguir se aposentar, vive de pequenos serviços e conta com a ajuda dos amigos da Agap”.

E continua: “Não ganho nem R$ 500 por mês", relata Dendê, que mora na casa de um dos dois filhos em Alagoinhas. Tem problemas cardíacos, diabetes e está com 70% da visão comprometida. Na última terça-feira veio a Salvador fazer revisão médica. O sonho é a aposentadoria. “Não é muita coisa, mas já ajuda”, diz”.

Essa situação também se reflete na realidade dos jogadores da ativa, apesar da imaginação popular expressa na tirinha citada acima, considerar diferente, muito em função da generalização de casos particulares que a mídia, principalmente a televisiva, dissemina todos os dias nos seus programas esportivos.

A verdade é que das centenas e milhares de jogadores profissionais registrados e espalhados pelo mundo, poucos são aqueles que têm condições de viverem exclusivamente do futebol e que se valerá deste ao final da carreira para a manutenção da sua vida.

“Segundo a FIFA, em 2000 havia mais de sete milhões de praticantes do esporte no Brasil (...). Registrados nas Federações estaduais, há entre profissionais e amadores, 275 mil futebolistas homens. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem informações sobre a faixa salarial de 22. 585 jogadores profissionais: em 2000, pelo menos oito em cada dez deles ganhavam até dois salários mínimos mensais. (...). Apenas 256 atletas profissionais ganhavam mais de 20 salários mínimos mensais”. (Reportagem, revista da oficina de informações, ano III, n. 34, julho de 2002, p.22).

Esta é um pouco da realidade cruel em que vivem os atletas brasileiros de uma maneira geral. Tratamos aqui apenas dos que se envolvem e se envolveram com o futebol. Mas essa particularidade é, também, a expressão mais geral da situação em que vive o conjunto da massa trabalhadora do Brasil e do mundo.

8 comentários:

PAULO KRAIDE PIEDADE (PAULOFILÉ) disse...

Prof. Welington,

Excelente tema. O estereótipo do "futebol milionário" é desmistificado nos vestiários, para quem os frequenta. Quando repórter de campo sentia mais a dificuldade dos atletas "não famosos", hoje como comentarista, a distância física me inibe esta percepção. Um mundo onde atletas miseráveis sustentam "empresários" escusos... incompetentes, que, via de regra, se aproveitam da ignorância da boleirada, para tirar proveito, às vezes de forma mesquinha. Lembro de uma passagem, onde o "gerente de futebol", ficou com os 5% dos R$ 10 mil que o clube receberia pelo empréstimo de um jogador, que, contratualmente seriam do atleta... esta é apenas uma... imagine o "tamanho do iceberg". A reflexão se faz necessária, pois, meu filho mais velho (hoje com 29 anos e colega nosso) esteve às portas do profissionalismo(?), mas, optou pela faculdade, a noiva e uma vida normal, pois, infelizmente a ilusão pela "fortuna do futebol" foi desfeita em uma não convocação para Taça São Paulo de Futebol Juniores, que, envolve muitos jovens sonhadores. Mais tarde, tornam-se números do INSS,tais quais os exemplos citados, entre os mais baixos salários da instituição.
Portanto, na maioria dos casos, é muito melhor ser ruim de bola e bom na escola...

Forte abraço

PAULOFILÉ55.

Carlos Almeida disse...

"(...)na maioria dos casos, é muito melhor ser ruim de bola e bom na escola"

É parafraseando o nobre Filé que inicio esse meu comentário breve apenas para dizer/trazer provocações aos demais: E por quê o enaltecimento do futebol e do jogador de futebol como mito e profissão em detrimento da Escola e do "estudar"? Só (mais ou menos) 2% ganham o que um Ronaldinho gaucho ganha! Qual a culpabilidade da mídia(exemplo: programa mostra Ronaldinho "fenômeno" comprando casa no valor de 25 milhões pq a família vai aumentar!!!)? Não deveria haver uma responsabilização? E o discurso de revelar talentos para os esportes, em particular o futebol?

Tenho mais a dizer, mas prefiro para por aqui...vou esperar as outras contribuições e completo minha "fala". Forte abraço!

Vicente disse...

Blogueiros, você leram a reportagem do correio da bahia hoje sobre a violência da bamor e da tui? Lembrei logo da entrevista que o professor welington postou neste espaço nas últimas semanas. Parece até que estava advinhando, o professor.

Carlos Almeida disse...

Bem...dado a pertinência e relevãncia da postagem achei que haveriam maiores intervenções e contribuções nela!

Não vou me alongar então!

De qualquer forma é doloroso conviver em uma contemporãneidade tão perversamente alienada e onde o discursso do capital, a dispeito de ter um argumento tão frágil, se impõe de maneira tão forte através das mídias e da subvenção a favor do modo deste modo de produção explorador e alienante!

Sigamos em frente!

Carlos Almeida

PAULO KRAIDE PIEDADE (PAULOFILÉ) disse...

Caro Carlos,

Também achei que a matéria daria mais "Ibope"... acredito que nós dois pela proximidade ao meio, estejamos mais interessados...mas, concordo contigo na convivência com tanta falsidade no meio, antagonismo entre ficção e realidade, em ser jogador de futebol...

Abs

PAULOFILÉ

Carlos Almeida disse...

Então, meu caro Filé...

Mas eu acho que o tema esconde "problemas de fundo" que transcendem o futebol e a escola e acho que são a partir da discussão de temas como estes que podemos estabelecer relação e entender toda essa complexidade do mundo da bola de futebol e o mundo da "bola" terrestre, relacionados com a abordagem educativa.

As vezes acho a ausência de reflexões nesse sentido, e de forma fundamentada!

Tou lendo um livro organizado pelo Pablo Gentilli e o Frigoto que estava planejando fazer colocações aqui no que se refere ao modo de produção e as relações de trabalho, a tansformação das pessoas em coisas, a relação subjetivação/objetivação e a crise do capital, relacionando ainda com com a introdução do texto do Zygmunt Bauman "Vida para Consumo - A transformação das pessoas em mercadorias" - Editora Zahar.

Mas não deu IBOPE! Não foi dessa vez! Sentindo a ausência da participação de demais colegas e com mêdo de me alongar ou "aparecer" demais!

Mas é sempre bom ler seus comentários e te "ver" por aqui!

Abraços

P.S.: Prepara o churrasco que logo logo pouso por ai (risos)

PAULO KRAIDE PIEDADE (PAULOFILÉ) disse...

Carlos e que nos permita o Prof. Welington que nos proporciona esse papo interessante...

Acredito que a realidade de cada um é a vivida por cada um.
Há quase 20 anos na pedagogia do esporte(na prática e não apenas na academia) me deparei com inúmeros casos que se enquadram no texto. Talvez por isso me represente mais e a vc entendo ser por aí a relação.

Na década de oitenta, quando viajava para Piracicaba(já casado e estudando à noite na UNIMEP, morando em Americana), dizia ao meu amigo Nivaldo, companheiro "irmão de todas as horas na facu"... e hoje não está mais entre nós... que, eu queria montar uma escola de futebol, ele me chamava de maluco...dizia:"Vc vai ensinar futebol no país do futebol, ainda por cima, vc é ruim de bola!!!"
Porém, além dos fundamentos técnicos, sempre procurei prever(embora impossível na totalidade) a situação da vida do jogador de futebol, para alertar aos garotos, que, o "mar de rosas" não seria o horizonte de vida dos que optassem por essa profissão. Uma coisa é aprender a modalidade, outra coisa viver do esporte, conviver com empresários, comissões técnicas, burocracias, contusões, enfim... as dificuldades que elencadas se tornariam até um desestímulo para qualquer um, o "sonho" nesse sentido...
Mas, mesmo isto é impossível. As coisas acontecem e só depois é possível essa visão...na grande maioria dos casos, bem como, a compreensão das pessoas para esses problemas.
O assunto para mim é apaixonante, mas, sinto que estou me alongando demais e deixo o complemento para as reflexões de cada um...
Quanto ao churrasco, é só marcar a data e chegar que a casa é sua!!!

Forte abraço e parabéns pela preocupação com o tema, um dia discutiremos mais sobre o assunto e vou procurar o livro citado por vc, para me inteirar ainda mais...

PAULOFILÉ

Carlos Almeida disse...

Pedindo licença ao Prof. Wellington e aos demais blogueiros!

Caro Filé...

O livro ao qual me referi, além do de Bauman é o A CIDADANIA NEGADA: POLITICAS DE EXCLUSAO NA EDUCAÇAO E NO TRABALHO Pablo Gentili (Org.) | Gaudencio Frigotto (Org.) Editora: Cortez. Estou estudando continuamente para um possível mestrado ou especialização por isso recomendo.

Filé, amamos o esporte. Fui do tipo de atleta que "se permitiu" tomar infiltração no joelho afim de jogar do que ficar na reserva.

Amamos o esporte! Só lamento o uso que é feito dele! Ao meu ver, errõneo ou distorcido.

Apesar de minha seara ter sido mais o basquetebol como você bem o sabe, como professor e enquanto conteúdo da educação física não tem como não lidar com o futebol, que eu também aprecio enquanto torcedor do Esporte Clube Bahia e Corintiano(O Cléo é São Paulino!!!). Inscrevo meus alunos em olimpíadas estudantis, faço amistosos entre escolas e não abdico ao acesso deles ao esporte enquanto práticas corporais e representações sociais fruto de nossa cultura, mas, hoje, só pra que você tenha idéia, eu tenho uns 5 alunos que me pedem pra encaminhá-los pra escolinhas em clubes grandes. Até mesmo para o Cléo ai em Americana ver se viabiliza com o Rio Branco ou com o Americano. Mães inclusive já vieram falar comigo. Isso me corrói por dentro. A exploração da mídia em torno do atleta, de sua imagen, o atleta "out-door" é apenas uma das facetas perversas que vêmos hoje em dia e que contribuem para que haja esse alvoroço de ilusão em torno de alguns esportes como meio de ascenção social, no caso aqui, o futebol! Quando não é O "mito" da atividade física e saúde, título inclusive de livro da professora Yara Maria de Carvalho, aí da Unicamp. Ainda têm o "mito" do atleta vencedor, do chegar ao pódium, do primeiro lugar, e do vencer sempre. É nesse contexto que Oscar Schimidt hoje em dia é palestrante, o técnico da seleção brasileira de vôlei feminino é palestrante, não em clubes, mas em empresas, isso mesmo, empresas, transpondo a imagem do esporte para o ambiente empresarial afim de compôr o modelo a ser vendido, incentivado dentro da competição, não das quadras, mas da vida, no modo de produção individualista, egoísta, excludente e alienante que diz que você têm que "matar um leão por dia".

Coloco aos meus alunos toda uma problemática e a realidade exposta na postagem do texto base, mas, mesmo assim, muitas vezes é inútil, inclusive no entendimento dos meus colegas, professores de outras disciplinas. E olha que nem falei aqui a respeito da minha opinião sobre a "descoberta de talentos", a problemática que envolve esse termo talento etc afim de não me alongar mais ainda!

O Importante é sabermos que existem cada vez mais pessoas e profissionais com um entendimento mais amplo do esporte e do futebol como você e que possuem um olhar muito maior que meramente o mercadológico e vêem as potencialidades da utilização do mesmo como instrumento de intervenção pedagógica na contribuição de uma construção de um cidadão mais crítico, mais humano, em diração a uma formação ominilateral do ser!

Forte Abraço!